São Paulo, domingo, 2 de junho de 1996
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Surrealismo

FERNANDO RODRIGUES

Brasília - Uma situação completamente surreal ameaça o governador de São Paulo, Mário Covas.
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar nos próximos 30 dias o primeiro dos cem pedidos de intervenção federal em São Paulo. São enormes as chances de Covas ser destituído do cargo para o qual foi eleito.
O governo de São Paulo está na miséria. Endividado até o pescoço, Covas não tem dinheiro para pagar o que deve. A Justiça já concedeu ganho de causa a devedores com créditos no valor total próximo a R$ 5 bilhões.
A maioria dos credores tem razão em querer receber o dinheiro. O governador tem razão quando afirma estar duro. A Justiça também está correta quando obriga o Estado a honrar seus compromissos.
Como Covas descumpre a lei -ainda que por falta de dinheiro-, o caminho legal normal é a intervenção. O presidente do STF, Sepúlveda Pertence, vai colocar a questão em pauta até o final deste mês.
No seu parecer, o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, encerra 21 páginas de argumentação com uma frase cristalina: "O pedido de intervenção federal comporta deferimento".
Se o STF julgar mesmo procedente a intervenção, Covas perderá o cargo. A Justiça então designará um interventor que vai bater à porta do Palácio dos Bandeirantes. O passo seguinte será telefonar para o Tesouro paulista e ordenar o pagamento das dívidas.
Só que não há dinheiro, ouvirá o futuro interventor. O corte de despesas seria inconstitucional, pois não se pode interromper o pagamento de salários nem os gastos com saúde e educação, entre outros.
Pela letra fria da lei, o STF tem de ordenar a intervenção. Só que isso pouco adiantará. O interventor não terá dinheiro para pagar as dívidas.
Se negar a intervenção, o STF estará dizendo que o Estado não tem obrigação de pagar dívidas no país.
É surreal.

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