São Paulo, domingo, 2 de junho de 1996
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De olho na China

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

De quando em quando toca o sinal de alarme para dizer que a humanidade corre o risco de morrer sem comida.
Mas a tese de Malthus foi várias vezes desmentida pelo aumento da produção decorrente dos avanços tecnológicos aplicados à agricultura.
A mecanização, os fertilizantes, as sementes melhoradas elevaram a produtividade de forma espetacular, desmascarando o catastrofismo dos incrédulos.
No entanto, a situação atual nos põe a pulga atrás da orelha. Dados recentes mostram que as bocas aumentaram muito nos últimos dez anos. Além disso, as dietas se sofisticaram até mesmo nos países que tradicionalmente tiveram um baixo consumo "per capita".
A revista "Business Week" do dia 20 de maio, por exemplo, destaca que, na China, os que comiam apenas arroz e legumes -há cinco anos- hoje comem carne, peixes e ovos.
No Brasil, o consumo de frango no ano passado aumentou 20%. As lojas "fast food" introduziram o hambúrguer em uma centena de países. O consumo "per capita" de carne, porco e aves cresceu 11% na última década.
Do lado da oferta ocorre o inverso. No Texas, onde há uma das maiores pecuárias do mundo, 130 municípios estão pedindo socorro ao governo federal para enfrentar as pastagens queimadas por uma seca prolongada.
A situação é dramática: 80% do gado abatido é de fêmeas prenhes, praticando-se, a céu aberto, a economia da devastação.
O caso do Texas ilustra as severas turbulências que atingem a oferta de alimentos nos dias atuais. Os preços do trigo, milho e soja simplesmente dobraram nos últimos 12 meses. A reserva mundial de grãos, que há dez anos aguentava mais de cem dias, hoje não aguenta 50.
O quadro futuro tende a se agravar. No começo do próximo século, a China, sozinha, importará anualmente mais de 300 milhões de toneladas de grãos para manter a situação atual. A oferta terá de aumentar. E muito.
O Brasil poderia tirar uma grande vantagem da crise mundial, pois, afinal, solo, luz e água, entre nós, são abundantes. Poderíamos exportar para quem precisa e de lá importar o que nos falta.
Mas, infelizmente, estamos dentro da mesma crise. A safra de 1996 terá 10 milhões de toneladas a menos do que a de 1995. Perdemos 13% numa hora em que o mercado é francamente comprador.
A preocupação imediata do governo é o impacto dessa redução sobre os preços e o destino do Plano Real. Mas está na hora de olharmos mais à frente, pois a agricultura para nós é uma solução -e não um problema.
É com ela que podemos empregar muita gente, produzir mais alimentos e exportar mercadorias.
Poucos países têm as vantagens que o Brasil possui. O que tem faltado é firmeza na conduta das políticas do setor.
Assim como não se pode admitir favores intempestivos, é inaceitável a oscilação dos humores dos que controlam o crédito, o câmbio e a assistência técnica para a agricultura.
Se houver dois ou três países com chance de desmentir o Malthus, o Brasil, certamente, está entre eles.

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