São Paulo, domingo, 2 de junho de 1996
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Uma nova reforma agrária

RAUL JUNGMANN

A reforma agrária readquiriu projeção, situando-se no primeiro plano da atividade política e no cenário econômico-social do Brasil. Ao assumir as funções de ministro-extraordinário de Política Fundiária, consciente dessa nova realidade, busquei, de imediato, engajar nessa luta todos os segmentos da sociedade que, de uma certa forma, estão ligados à questão agrária.
Ao contrário do que ocorria nas décadas de 50 e 60, quando a questão fundiária dividia o país, hoje ela é fator de união. Uma demonstração inequívoca desse poder de unir é a recente doação, pelo Ministério do Exército, de 6,2 milhões de hectares de terras que serão destinados a projetos de assentamento de trabalhadores rurais sem terra, na região Norte e ainda nos Estados do Mato Grosso e Maranhão. Além dessa doação, pelo protocolo de intenções firmado no último dia 23 de maio o Ministério do Exército também vai colaborar por meio de seus batalhões de engenharia com trabalhos técnicos de agrimensura, topografia etc.
Pelas análises preliminares das superintendências regionais do Incra em Rondônia, Pará, Amazonas, Amapá, Tocantins, Mato Grosso e Maranhão, foi pré-selecionado 1,8 milhão de hectares com características próprias para o assentamento de cerca de 20 mil famílias. As áreas que tecnicamente não possuam características próprias para a agricultura, seja por razões de natureza ambiental ou reivindicadas por nações indígenas, serão destinadas a outros órgãos do governo federal. A reforma agrária não deve ser feita em prejuízo do nosso meio ambiente e das populações indígenas.
Em entendimento que estamos mantendo com a direção do Banco do Brasil, surgirá um excelente caminho na luta de promover a reforma agrária desejada pela sociedade brasileira -uma das grandes prioridades do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. O acordo com o BB possibilitará àqueles que devem ao banco pagarem suas dívidas com terras que, por sua vez, serão compradas com Títulos da Dívida Agrária (TDAs) pelo Incra. O nosso propósito é estendermos esse tipo de acordo aos bancos regionais e estaduais, pertencentes aos governos.
É do conhecimento da opinião pública que a questão agrária hoje se caracteriza pela ocorrência de conflitos em algumas regiões do país. Visando que esses conflitos sejam resolvidos de forma civilizada, é preciso que o Poder Legislativo dote o Executivo de instrumentos para que possa rapidamente intervir, evitando tragédias como a que ocorreu no sul do Pará. A aprovação, pelo Congresso Nacional, de mudanças na lei que trata do chamado rito sumário vai nos possibilitar uma parte significativa desses instrumentos.
A nossa luta requer o engajamento de todos. Antes mesmo de tomar posse como ministro extraordinário de Política Fundiária reuni-me, em Brasília, com os reitores das universidades brasileiras, numa convocação para que possamos reinventar a reforma agrária. Esse assunto foi amplamente discutido no seminário, do qual surgiu um conjunto de diretrizes.
Ainda esta semana estaremos firmando os primeiros convênios, fruto dessa reinvenção, que visa levar o saber, o conhecimento e a tecnologia aos assentamentos e acampamentos. Nosso objetivo é também a seleção e treinamento para grupos de trabalhadores rurais, possibilitando-lhes um melhor desempenho no exercício de suas atividades agrícolas, transmitindo o conhecimento adquirido aos seus demais companheiros. Isso determinará o aumento da nossa produtividade no campo, com resultados mais satisfatórios e produtivos.
Creio que somente com a participação efetiva de governadores, prefeitos e a sociedade será possível realizar um novo projeto agrário no país. Assim, a descentralização vai possibilitar, em primeiro lugar, maior participação, em segundo, menor custo; e, em terceiro, elevar as metas de assentamentos.
É importante salientar que esse debate sobre a descentralização passe também pela discussão sobre o financiamento público da reforma agrária. Hoje é extremamente difícil continuar disputando recursos ordinários do Tesouro Nacional, "vis a vis" outros programas desenvolvidos pelos demais ministérios. É fundamental acrescer ao ITR outros mecanismos, convenientes e necessários, para uma reforma agrária nas proporções e com a efetividade que todos desejamos.
A descentralização é o caminho mais rápido e seguro para a democratização das ações e dos mecanismos da reforma agrária. Isso não é pouco quando se sabe que, durante longos anos, a política fundiária foi entendida como um capítulo da política de segurança nacional. Está claro, também, que a reengenharia do Incra terá lugar de destaque no desafio de reinventar a reforma agrária.
Nos primeiros 30 dias à frente dos trabalhos de executar a nova política fundiária, foram assinados pelo presidente Fernando Henrique Cardoso mais de cem decretos de desapropriações, destinando 400 mil hectares para cerca de 11 mil famílias de trabalhadores sem terra em todo o Brasil. A reforma agrária é prioridade média/dia. E a meta de assentar 60 mil famílias este ano será alcançada.

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