São Paulo, segunda-feira, 3 de junho de 1996
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Cranberries acham que vão salvar o mundo

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Lá pelos idos de 1989, 1990, omprei um bom disco dos Ten Thousand Maniacs e logo dei graças aos céus porque as letras eram em inglês. Em português, não daria para aguentar aquele chororô meloso e politicamente mais que correto sobre mães dos bandidos, mulheres batalhadoras, casamentos se esfacelando... Seis anos depois, pensei que fosse achar a mesma coisa do álbum "To The Faithful Departed", do grupo irlandês Cranberries. Já tinha lido que as letras transbordavam de insuportáveis boas intenções, mas pelo menos eu estava confiante em que o som à base de guitarras bastaria para segurar a onda.
Errei feio. As baboseiras sem fim não se resumem às palavras. As melodias também são de lascar.
Enamorados das FMs, os Cranberries rumam em passo acelerado para uma câmara especial do inferno, aquela habitada por um monte de malas que têm certeza de estar salvando a humanidade e conscientizando a juventude por meio do rock.
Você conhece o tipo: Engenheiros do Hawaii, U2, coisas assim.
Tem música sobre a Bósnia! Tem música sobre a norte do John Lennon! Sobre Hollywood! Sobre a situação política da Irlanda! Sobre aborto!
Pelo amor de Deus! E o pior é que é tudo feito com tanta ingenuidade, com tanta importância auto-atribuída, que não dá nem raiva. Dá pena.
Britpop
Mas... e que o rock nos oferece em contraposição à militância descerebrada dos Cranberries? Os hedonistas, igualmente descerebrados, do britpop!
E aí também não dá. Impossível jogar no lixo o papel renovador que está na própria gênese do rock.
Legal ver a garotada dizendo que está só a fim de se divertir, catar a mulherada e tomar a maior quantidade possível de drogas. Mas é pouco.
E mostra que a força motriz do britpop traz embutidas as sementes de sua própria destruição. O britpop, regressivo e superficial, vai acabar pelas mesmas razões que o fizeram surgir.
Pelo visto, não tem mais solução. A ingenuidade militante e o niilismo inconsequente transformaram a cena rock em um inferno.
Para quem não cultiva nenhum interesse por causas perdidas, nem quer saber de gente que fala "sóifmêêê" em vez de "save me", só resta tampar os ouvidos.
Como se dizia antigamente, "when the going gets tough, the tough get going". Ou, em tradução fuleira: "Quando a vida vira dura, os duros vão se virando".
É o jeito.

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