São Paulo, segunda-feira, 3 de junho de 1996
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Tibetanos tentam escapar do controle chinês

PEDRO NABUCO
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM DHARAMSALA

Na noite de 12 de julho de 1995, o mosteiro budista de Tashilhunpo, na cidade tibetana de Shigaste, tradicional residência do Panchen Lama -a segunda personalidade religiosa do Tibete- foi invadido pela polícia chinesa.
Na véspera, os monges tinham sido convocados para uma reunião por autoridades da Região Autônoma do Tibete.
Um documento foi lido, criticando o Dalai Lama (líder religioso no exílio desde 1959), Chadrel Rimpoche (abade do mosteiro), e a escolha de um menino de seis anos de idade, Gedhun Choeky Nyima, como a nova reencarnação do Panchen Lama.
Os monges protestaram. No dia seguinte, 32 foram presos. Aqueles que não admitiram sua responsabilidade por confrontar as autoridades chinesas foram espancados e torturados.
Gedhun foi sequestrado, o abade, preso, e o Dalai Lama afirmou no exílio: "A escolha do Panchen Lama é um assunto religioso".
Doutrinação
Os monges de Tashilhunpo passaram a ser submetidos a sessões de doutrinação e "reeducação".
Essa história está no relatório sobre direitos humanos do Departamento de Informação e Relações Exteriores do governo tibetano no exílio. O relatório registrou, em 94, 230 prisões arbitrárias no Tibete, sendo 183 de monges e freiras.
Pelo menos 50 prisões se relacionaram diretamente com o caso do Panchen Lama.
Várias outras aconteceram por tibetanos que manifestaram apoio ao Dalai Lama e manifestações pela independência, ou contra a transferência populacional de chineses. A Anistia Internacional listou 628 prisioneiros tibetanos em 94. São 100 mil tibetanos no exílio.
Todos os anos, eles atravessam a pé os passos nevados do Himalaia, à noite, escondidos das patrulhas chinesas. São viagens dificílimas, que levam mais de 20 dias.
Fuga
Dados publicados pela revista francesa "Le Monde de l'Éducation" mostram que 3,8% das crianças do Tibete são chinesas, mas ocupam 35% das vagas no segundo grau.
A desproporção (estimam-se 7,5 milhões de chineses e 6 milhões de tibetanos no Tibete) se explicaria pela transferência populacional de adultos e estímulo à colonização cultural. Entre os tibetanos, 60% seriam analfabetos.
A língua oficial das escolas é o mandarim. O tibetano é ensinado como língua estrangeira. As duas línguas pertencem a troncos distintos -suas semelhanças são mínimas e a escrita é diferente.
Em 1994, os chineses ocupavam 55% das vagas da Universidade Tibetana de Lhasa, de acordo com pesquisa da Rede de Informações sobre o Tibete (TIN), organização sediada em Londres (Reino Unido). A educação estaria centrada em "doutrinação ideológica".
Sem comida
Segundo Thupten Kunphel, funcionário do Centro de Recepção dos refugiados em Dharamsala, os tibetanos que possuem passaporte chinês geralmente retornam ao Tibete devido ao temor de retaliações à sua família. E há o problema de conseguir empregos na Índia. Ainda assim, no ano passado, 2.000 pessoas não retornaram.
Karma Chokyag, 52, e sua mulher, Karma Dolma, pequenos agricultores do sul do Tibete, andaram 24 dias pelo Himalaia, à noite e quase sem comida, para trazer seus filhos para uma escola tibetana na Índia e receberem a bênção do Dalai Lama, a quem se referem como Sua Santidade.
Seus filhos foram admitidos na Cidade das Crianças Tibetanas. Os pais preparavam-se para a longa viagem de volta.
"Realizei todos os meus desejos", disse Chokyag, sem parar por um momento de girar sua roda de prece. "Se morrer agora estarei feliz. Só me resta esperar pela volta de sua santidade ao Tibete."
Ameaça
A separação de pais e filhos é prática comum, segundo Kunphel. Ele afirmou que os chineses têm ameaçado os pais no Tibete, para pressioná-los a trazer seus filhos de volta.
A intenção seria a de manter o rígido controle ideológico. "Os tibetanos não seguem a propaganda chinesa", afirmou. Em Dharamsala, cidade que concentra os tibetanos no exílio, os refugiados entre 17 e 30 anos que necessitem educação são levados para a escola temporária, com 250 alunos.
É um acampamento de cabanas de alumínio em um vale na parte baixa da região de Dharamsala.
Lá, receberão uma educação moderna básica, aprenderão inglês e estudarão história e língua tibetanas. Depois, serão mandados de volta para o Tibete para disseminar o que aprenderam.
É o caso de Chime, 20, nascida na região de U-Tsang. Ela fugiu em 1994 junto com um grupo de 36 pessoas. Sua fuga foi documentada por uma TV britânica. Na chegada ao Nepal, foi preciso subornar policiais para que o grupo não fosse deportado de volta.
O escritório tibetano de Kathmandu registrou 300 deportações de refugiados em 1995.
Chime participara de demonstrações em Lhasa, e havia temores por sua segurança. Em busca de educação na Índia, seu futuro é incerto. "Talvez retorne, caso não consiga continuar meus estudos."
Parte das iniciativas no exílio recebe financiamento externo, como o Projeto de Freiras Tibetanas, que termina a construção de Dolma Ling, um complexo que abriga 100 das 1.000 freiras no exílio.
Muitas foram vítimas de tortura por terem participado de manifestações. "É impressionante a força de vontade dessas jovens", disse Philippa Russel, britânica que vive há 14 anos em Dharamsala.
Mas a chance de serem admitidas em um convento é muito pequena porque os chineses controlam o número de freiras e sua procedência. E terem estudado aqui não constitui uma ficha limpa.
"Os chineses não destruíram só o nosso país, estão destruindo nossa cultura, nosso conhecimento de medicina e astrologia. Para preservá-lo e desenvolvê-lo estamos aqui", disse Lobsang Wangyal, médico do Dalai Lama.

A exposição "Free Tibet", do fotógrafo Marcos Prado, estará em cartaz no Masp (av. Paulista, 1.578, tel. 011/284-0574) de 4 a 28 de julho

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