São Paulo, segunda-feira, 3 de junho de 1996
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"O marxismo se aproxima mais do budismo"

PEDRO NABUCO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em sua autobiografia, Tenzin Gyatso, monge budista, 60, conta que foi no começo da invasão chinesa que compreendeu o verdadeiro sentido da palavra intimidação. Na entrevista, concedida em sua residência no vilarejo no norte da Índia, o Dalai Lama do Tibete disse que um monge budista jamais concordaria com as práticas de intimidação chinesas.
Durante a entrevista, o Prêmio Nobel da Paz de 1989 manifestou a sua crença em uma futura democracia na China.

Folha - A ética budista tem quase 3.000 anos. O comunismo é uma ideologia do século 20. Podemos ser budistas e comunistas ao mesmo tempo?
Dalai Lama - Encontrei hinduístas na Índia, no que se refere à teoria econômica e social, seguidores do marxismo. Eles aceitam a teoria marxista, mas ao mesmo tempo são extremamente hindus.
Acreditam nos valores hinduístas e ao mesmo tempo na ideologia marxista. Também encontrei monges budistas muito bons no Sri Lanka que são, no que se refere à teoria sóciopolítica e socioeconômica, de extrema esquerda. Então é bastante possível.
Por outro lado, o budista genuíno que ao mesmo tempo acredite no marxismo, jamais acreditaria no sistema totalitário. Somos muito críticos a respeito do totalitarismo chinês. Mas no que concerne à ideologia marxista, não somos necessariamente contra. Na verdade, creio que a ideologia marxista se aproxima mais do budismo do que o capitalismo.
Folha - O sr. advertiu, no Parlamento alemão, que a destruição do Tibete constitui um genocídio cultural que ameaça a sobrevivência dos tibetanos. O sr. acha que a democratização da China é a única esperança para a nação tibetana?
Dalai Lama - Na teoria, com o comunismo é possível encontrar uma solução negociada. Se a China se tornasse livre e democrática tudo seria muito mais fácil.
Folha - O sr. antevê democracia na China num futuro próximo?
Dalai Lama - Acho que sim. Futuro próximo no sentido de alguns anos, creio que sim.
Folha - O sr. afirma que as verdades nobres do budismo podem ser resumidas em dois princípios básicos: a natureza interdependente e a assunção de uma postura não-violenta. De que forma um se transforma no outro?
Dalai Lama - A teoria da causalidade (causa e efeito) é o fundamento da interdependência. Se tudo é absoluto, então a lei da causalidade não pode funcionar.
Como o resultado depende inteiramente das causas, se você causar mal aos outros, estes poderão fazer o mesmo a você. Da mesma forma e pelos mesmos meios. A isso chama-se natureza interdependente. Assim, nos resta a opção da não-violência e da compaixão.
A não-violência se dá no nível das nossas ações. Mas o que é a verdadeira não-violência?
A ação gentil motivada pelo desejo de enganar, ou machucar por meio de atos gentis, não é não-violência. É violência.
(PN)

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