São Paulo, terça-feira, 4 de junho de 1996
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O Real e o Paeg

CELSO PINTO

Há mais de um ano o economista José Roberto Mendonça de Barros, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, desenvolveu a tese de que o Plano Real tem muitos pontos de contato com o Paeg, o plano de estabilização da dupla Roberto Campos-Octávio Gouvêa de Bulhões, no governo Castello Branco.
Mais recentemente, ele se convenceu de que, além dos paralelos nas fases da luta contra a inflação, os dois planos também se parecem em relação às etapas percorridas por seus críticos.
O primeiro estágio, nos dois casos, foi o do ceticismo em relação ao controle da inflação. No caso do Plano Real, essa fase foi especialmente aguda no final de 94, quando vários economistas de peso e boa parte do mercado financeiro apostaram em taxas crescentes de inflação, que acabaram não acontecendo.
Mendonça de Barros considera essa fase vencida, mas ainda estaria em pleno vigor o que ele chama de segunda fase: a da reclamação em relação aos custos do ajuste. Assim como aconteceu com o Paeg, o ajuste inflacionário do Real acabou provocando desemprego, falências e retração em vários setores industriais.
Associada a essa segunda fase, diz ele, surge a terceira fase das críticas, que ele chama de "teorias estagnacionistas". É a idéia de que a inflação pode até ficar baixa, mas, em compensação, a economia não vai conseguir retomar o crescimento.
Na época do Paeg, lembra, apesar de a economia ter começado a retomar seu ritmo em 67, só dois anos depois a oposição começou a aceitar a idéia de que o capitalismo brasileiro podia ser injusto, mas não lhe faltava, necessariamente, dinamismo.
Um trabalho seminal foi produzido, na época, na Flacso, do Chile, chamado "Mas allá del estancamiento", onde se fazia a primeira revisão mais profunda de alguns conceitos da Cepal, a escola dominante do pensamento de esquerda na América Latina. Os dois autores do trabalho: José Serra e Maria da Conceição Tavares.
As razões que levavam ao "estagnacionismo" na época do Paeg são bem distintas das que sustentam a teoria de que a economia brasileira tem um limite de crescimento dado pelo modelo do Plano Real. Mendonça de Barros, de todo modo, aposta que as teses atuais também serão derrubadas.
O "estagnacionismo" atual se baseia na tese de que, ao se apoiar no câmbio para segurar os preços, o governo gerou um atraso cambial. Com dois efeitos perversos. De um lado, tirou o dinamismo das exportações. Do outro, associado à abertura, estimulou as importações.
Com isso, qualquer retomada mais forte de crescimento geraria um aumento muito forte das importações e acabaria numa crise das contas externas. A única forma de evitar isso seria segurar o crescimento.
Mendonça de Barros contrapõe alguns argumentos. Relevante é saber se as exportações poderão crescer o suficiente para sustentar um aumento desejado das importações. Alguns pontos básicos:
1) as exportações de janeiro a maio cresceram perto de 11%. Ao contrário do que ocorreu no ano passado, o crescimento aconteceu não só em valor, mas também em volume, e envolveu também produtos industrializados;
2) aumento da produtividade: discute-se alguns critérios de medida e a magnitude, mas ninguém nega que aconteceu e ajudou a compensar o câmbio;
3) aumento da escala de produção, principalmente em bens de consumo como linha branca e TVs, o que implica reduzir o custo unitário de produção;
4) apesar das reclamações dos empresários, ele lembra alguns ganhos no chamado "custo Brasil": a) a parcial desoneração fiscal das exportações (Cofins); b) a acelerada privatização da gestão dos portos; c) o sucesso na privatização do primeiro trecho da Rede Ferroviária; d) o aprendizado na política comercial, ajudando na defesa contra "dumping" e em mercados específicos; e) a redução no custo das tarifas, tanto pela diminuição dos subsídios cruzados, quanto por ganhos de produtividade. Várias tarifas subiram menos do que os preços industriais.
Tudo isso é verdade, mas persistem dúvidas, tanto fora quanto dentro da própria equipe econômica, sobre a conjugação futura entre crescimento e equilíbrio externo.

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