São Paulo, quinta-feira, 6 de junho de 1996
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Não era o Brasil

MOACYR SCLIAR

Havia um país -mas não era o Brasil- onde os idosos e doentes crônicos eram considerados descartáveis. Em determinado momento de suas existências, eram levados para uma montanha e lá abandonados para morrer. Todos os velhos e doentes desse país -que não era o Brasil- sabiam de tal determinação e aguardavam, com temor, o dia em que teriam de subir a montanha para não mais retornar.
Nem todos se resignavam a esse destino. Foi o que sucedeu com um ancião que não tendo família, estava sob os cuidados de um empregado, homem grande, sinistro. Um dia esse empregado decidiu que tinha chegado o momento de levar o velhinho para a montanha. Avisou, pois: prepara-te, que chegou a tua hora.
O homem começou a tremer: Já? Tão cedo, tinha chegado o instante fatal? Mas então uma idéia ocorreu-lhe e ele disse ao empregado:
- Olha, eu sou pobre, mas só em aparência. Na realidade, sou proprietário de um tesouro que está escondido num lugar secreto. Se me poupares, entrego-te tudo.
O empregado pensou um pouco. Na realidade, estava correndo um risco, pois violava uma lei daquele cruel país (que não era o Brasil). Mas aí também teve uma idéia:
- De acordo. Sabes para onde vou te levar? Para uma clínica num país longínquo. Não terás despesa, porque o governo lá paga tudo. E o pessoal aqui pensará que morreste na montanha.
No mesmo dia providenciou passagem. O velhinho, naturalmente, pensava em voltar e recuperar o seu tesouro. Mas o empregado tinha pensado nisso. Vocês vêem, a clínica para onde ele estava mandando o ancião ficava num país chamado Brasil.

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