São Paulo, sexta-feira, 7 de junho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Índios do Brasil vivem 5,6 anos menos

ARI CIPOLA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS

Os índios brasileiros estão vivendo menos. Entre 1993 e 1995, a expectativa de vida dos índios no país diminuiu 5,6 anos, o que contraria tendência mundial de aumento da longevidade.
Em 95, o índio brasileiro viveu 42,6 anos, em média. Mas há registro de regiões em que os índios viveram, em média, apenas 24,5 anos.
O brasileiro vive 67 anos, em média, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) -mais 24,4 anos em relação à média dos índios.
Os números sobre a longevidade dos índios constam de trabalho inédito obtido pela Agência Folha.
O estudo foi elaborado pelo pesquisador do Instituto de Medicina Tropical de Manaus (IMTM), Rômulo César Sabóia Moura, 43.
O IMTM é um dos dois mais importantes institutos de pesquisas sobre moléstias tropicais da Amazônia. É um órgão estadual conveniado com Fundação Oswaldo Cruz e desenvolve estudos considerados de referência pela OMS.
Moura também já foi, entre janeiro de 93 e outubro de 95, chefe do Departamento de Saúde da Funai (Fundação Nacional do Índio).
Entre os piores do mundo
A expectativa de vida dos índios brasileiros só pode ser comparada à de Serra Leoa, na África Ocidental. Em Serra Leoa, a expectativa de vida da população foi de 40 anos em 95, o pior índice do mundo, segundo a OMS.
No Japão, país com melhor classificação pela OMS, o índice atinge 80 anos.
Moura tabulou 2.591 registros de mortes de índios feitos pela Funai. O relatório atribuiu a redução de 11,6% na expectativa de vida dos índios à falta de investimentos na saúde das comunidades indígenas -responsabilidade da Funai.
A Funai investiu no ano passado R$ 22 por índio/ano, enquanto o SUS (Sistema Único de Saúde) investe R$ 100 por pessoa/ano.
Moura chegou a resultados estarrecedores que, segundo ele, tendem a provocar um reexame das condições de saúde ofertadas pela Funai aos índios brasileiros.
O levantamento estatístico de Moura atingiu 74,8% da população índia do Brasil -estimada em 329 mil pessoas- e 135 das 212 etnias e se baseou nos únicos documentos oficiais de causa de mortes e identidade do índio brasileiro: os registros de mortes feitos por técnicos de saúde das administrações regionais da Funai.
Um total de 320 registros de mortes não continha a idade dos índios mortos. A definição da idade de índios pouco aculturados é difícil. Porém, nas aldeias mais distantes, onde os índios não possuem certidão de nascimento, a Funai mantém um livro em que notifica os nascimentos.
Dificuldades
Moura diz acreditar que muitas mortes não foram notificadas pelas dificuldades com a localização geográfica e pelo fato de 9 das 48 administrações regionais da Funai não terem remetido os dados. Mas não arrisca uma percentagem de mortes não-registradas.
"As mortes não-notificadas não reduzem o valor científico da taxa de expectativa de vida, o que aconteceria com outros dados epidemiológicos que poderiam ter saído da pesquisa", afirmou.
O documento mostra que os povos indígenas que vivem menos são os da Amazônia. O destaque é em relação aos índios do Vale do Javari (AM), que vivem em média 24,5 anos, 18,1 anos a menos que a expectativa de vida do conjunto dos índios brasileiros.
No Vale do Javari convivem três etnias. A média da etnia matubo foi a mais baixa registrada no país: 21 anos. A dos canamaris foi a mais alta, com 29,3 anos; os matis chegaram a 24,3; e os mayuruma, a 23,5 anos.
Essa região enfrenta fortes surtos de malária e hepatite, doenças trazidas pelos madeireiros que invadem a reserva.
Os ianomâmis vivem em média 34,1 anos, os ticunas chegam a viver 34,5 anos, e os caiuás atingem 38,2 anos. O relatório de Moura coloca como consequência da baixa expectativa de vida dos ianomâmis a invasão das reservas por garimpeiros a partir de 1987.
Nas regiões Sul e Sudeste há uma certa estabilidade no índice de expectativa de vida na comparação de três anos de pesquisa. No Centro-Oeste, a queda é ainda maior do que a média nacional: 12%.
Nota-se que o índio nordestino, que é um dos mais aculturados do Brasil e que já vive praticamente como os brancos, tem a maior expectativa de vida, com 61,7 anos. A expectativa de vida deles também cresceu. Era de 55,3 anos em 93.

Texto Anterior: Ideologia não importa, diz FHC a franceses; Punidos três na PF após caso do 'grampo'; Simon diz que governo "perdeu o rumo"
Próximo Texto: Pesquisador vê descaso médico
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.