São Paulo, sexta-feira, 7 de junho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pinóquio, quem diria, acabou vendendo sutiã

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Em 1981, a jovem repórter negra Janet Cooke, do jornal "The Washington Post", provocou um dos maiores escândalos na imprensa de que se tem notícia. Com uma reportagem sobre um garoto de 8 anos viciado em heroína, ela ganhou o prêmio Pulitzer, o Nobel do jornalismo.
Pressionada pela população de Washington e pela polícia a revelar a identidade do menino, ela confessou ter inventado a história toda.
Ou seja, Cooke levou no bico não só o comitê do Pulitzer e 1 milhão de leitores, como seu chefe, o legendário Ben Bradlee, que lhe enviara flores pela excelência da reportagem, e o editor Bob Woodward, que ajudou a derrubar o presidente Nixon no episódio Watergate.
Descobriu-se também que Cooke mentira a respeito de suas credenciais. Metade de seu impressionante currículo (diploma da Universidade de Vassar, mestrado em literatura e membro da Associação Nacional dos Jornalistas Negros) era ficção.
Quando o escândalo estourou eu nem era jornalista, mas me fascinei com a história. Cheguei até ao desvario de escrever uma carta à "Time" comentando o fato. Afinal, mentirosa ou não, Cooke se revelara uma grande contadora de histórias -pré-requisito básico para qualquer jornalista.
Me lembro que, à época, David Bowie declarou querer contratar Cooke para escrever sua biografia, alegando que ela sabia cativar o leitor.
Nos 15 anos que se passaram, o nome Janet Cooke tornou-se sinônimo de falcatrua e invenção nos EUA. E nunca mais se teve notícia de seu paradeiro.
Foi por isso que comprei correndo a revista "GQ" de junho, que traz na capa a chamada: "Janet Cooke conta sua história". Em reportagem assinada pelo seu ex-colega de redação, Mike Sager, ela admite ter cometido um ato "horrível", mas diz que o castigo foi maior do que o crime: "Perdi minha voz e metade de minha vida. Estou numa situação em que sucrilhos são uma boa alternativa para o jantar". Depois desanda a culpar o pai severo por ter se tornado mentirosa compulsiva, um clássico norte-americano dos dias de hoje.
A reportagem é leitura obrigatória para jornalistas. E, para quem está curioso em saber que fim levou Janet Cooke, ela hoje é vendedora de lingeries em Kalamazoo, Michigan, e ganha US$ 6 por hora.

Texto Anterior: Deslizamento mata 6 parentes na BA
Próximo Texto: Promessa; Mensagem capadócia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.