São Paulo, sexta-feira, 7 de junho de 1996
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TV Cultura reencontra o humor de Silveira Sampaio

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Quando começou a fazer seu talk show, Jô Soares chamou a atenção para o nome de seu precursor brasileiro: Silveira Sampaio (1914-1964). O nome hoje soa quase estranho, talvez nem soasse de jeito nenhum, não fosse a feliz circunstância de a TV Cultura programar para hoje, às 23h30, o único filme que dirigiu: "Uma Aventura aos 40".
Em matéria de TV, Sampaio foi até mais do que um precursor. O "Bate-Papo com Silveira Sampaio", exibido pela TV Record entre 1960 e 1964 foi uma espécie de mania nacional. Na cadeira ao lado do entrevistador sentavam-se de Juscelino Kubitschek, presidente da República, a Quinzinho, dito "o rei da Boca", bandido da pesada. Ao lado de Sampaio, viravam atores.
"Ele era um excelente entrevistador. Era personalíssimo, mas trabalhava para que o entrevistador brilhasse", lembra Jô Soares, que trabalhou no "Bate-Papo".
Com isso, permitiu a Quinzinho dar um show à parte (uma entrevista antológica, acentua Jô), revelando as histórias de banditismo, contando suas fugas da polícia ou falando da rivalidade com Hiroito, o bandido intelectual.
Esse também era o estofo do Silveira Sampaio dramaturgo. "Ele não conhecia regras de dramaturgia, criou suas próprias regras, não tinha uma visão crítica", diz Theresa Austregésilo, atriz revelada por ele, que define Silveira Sampaio numa palavra: "diferente".
O que equivale, no caso, a original. Seu humor era marcado pela crítica política e de costumes. Sua presença no palco, por uma maneira própria de colocar o corpo, de empostar a voz, que Theresa chama de "angulosa".
O contato pessoal era caracterizado pela generosidade, que Jô Soares nota na maneira como Sampaio certa vez se dirigiu a ele, quando Jô ainda era adolescente e fazia números de mímica. "Ele disse: 'Você pode estudar o que quiser. No fim, vai ser artista.'"
Destino um pouco parecido com o do próprio Sampaio, médico pediatra que deixou escritos três livros sobre o assunto, antes de se tornar exclusivamente artista.
Sampaio tinha outra característica que o aproxima de Jô, segundo Theresa: "Ele trabalhava com a segurança e a felicidade de uma criança com seu brinquedo".
Isso se traduzia numa maneira de dirigir que permitia ao ator criar à vontade: "Sampaio não se importava se outro ator conseguia arrancar mais risos do que ele", diz.
Ao sucesso que conseguiu em vida, sucedeu-se o progressivo esquecimento (que Sábato Magaldi analisa em texto nesta página).
O que ficou, "Uma Aventura aos 40", é mais do que suficiente para atestar, ainda hoje, a extensão e a gama variada de seu talento.
Ali, logo no início, pode-se ler uma cartela de advertência: "Este filme é um pouco da vida de cada um de vocês. Só não haverá semelhança por falta de coincidência."
Em poucas linhas, este é o humor e o espírito de Silveira Sampaio.

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