São Paulo, sexta-feira, 7 de junho de 1996
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Autor evita retórica em 'Aventura aos 40'

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

É estranho que "Uma Aventura aos 40" tenha se tornado um filme esquecido. Produção declaradamente amadora, tromba de frente com o artificialismo empolado dos filmes profissionais brasileiros da mesma época.
Por uma vez, ao vermos as pessoas em frente à câmera, sentimos estar diante de gente, não de figurantes. A beleza que existe vem da coisa filmada, não do fato de estar sendo filmada. Nas imagens há um apego pela verdade, que permite ao filme respirar e garante o interesse por ele.
É impossível não perceber, também, suas deficiências. A iluminação é atroz, alguns atores são de uma incompetência exemplar.
Mas Silveira Sampaio sabe como fazer para esses problemas não dominarem o conjunto. Para começo de conversa, tem uma idéia.
Em 1975, Carlos de Miranda, velho professor de medicina, tem sua vida contada na TV: é um menino de ouro, filho exemplar etc. O próprio professor toma a palavra para corrigir a história oficial e se apresentar como uma pessoa normal.
Toda a narrativa é em off. A ausência (ou quase) de falas sincronizadas não incomoda, até porque o texto é vivo, seco, nada retórico. Sampaio não dá a mínima para as regras. Filma espontaneamente, cria sua própria linguagem. É leve e fluente como muito filme da Vera Cruz jamais sonhou ser.
"Uma Aventura aos 40" perde o embalo e parte do interesse justamente ao deter-se sobre a aventura extraconjugal do professor, referida no título.
Um problema menor. Basta observar a cena em que o professor, recém-casado, tenta preparar um chá para a mulher. O chá, a cozinha, o fogão, o professor -tudo que aparece, enfim, tem uma verdade incontornável. É amadorismo no melhor sentido: Sampaio faz cinema porque ama e porque sabe muito bem o que as imagens têm de insubstituível a dar.
"Uma Aventura aos 40" é um documento vivo de um modo de ser e de sentir, tanto quanto um inventário de gestos, mobiliário ou vestimentas de um período.
(IA)

Filme: Uma Aventura aos 40 Produção: Brasil, 1948
Direção: Silveira Sampaio
Com: Flávio Cordeiro, Nilza Soutin, Silveira Sampaio
Onde: hoje, às 23h30, na Cultura

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