São Paulo, sábado, 8 de junho de 1996
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Política industrial no setor automotivo

MARCO TULIO LEITE RODRIGUES

A atuação coordenada pelo governo junto à indústria automotiva fornece bons indicadores para uma política industrial para o setor. Inicialmente, por intermédio das câmaras setoriais, estimulou-se a demanda, reduzindo-se o preço real dos veículos.
Governos estaduais e federal, com a redução do ICMS e do IPI, e as indústrias montadoras e de autopeças, com a redução de margens, permitiram uma queda de preços que nos carros populares atingiu 16%.
Como resultado, as vendas domésticas dobraram a partir de 1993, superando 1,5 milhão de veículos por ano.
As arrecadações estaduais e federal subiram, cessou a queda do nível de emprego, as empresas de autopeças ganharam sobrevida e as montadoras reviram seus planos, transformando estratégias de encolhimento em agressivos programas de expansão.
Mais recentemente, o governo vem reeditando uma MP (medida provisória) que estimula o aumento e a modernização da capacidade instalada.
Diminui-se o custo dos materiais e bens de investimento, por meio da redução dos impostos de importação, e protege-se a produção local de veículos, taxando-se a importação das montadoras que não estão instaladas no país com o dobro do imposto cobrado das que já estão aqui.
A medida compensa incentivos já oferecidos por outros países do Mercosul e, apesar de deficitária no balanço de pagamentos, promove o comércio externo, limitando o valor das importações a cerca de uma vez e meia o valor exportado pela empresa beneficiária.
Aparentemente, a indústria deveria se considerar aquinhoada pelas políticas governamentais.
A alternância desses instrumentos de oferta e demanda poderá elevar a produção doméstica a 3 milhões de veículos anuais, atingindo uma escala mundialmente competitiva.
Há, porém, dois cuidados a serem tomados. O primeiro é desenvolver fóruns que administrem a política industrial, evitando algumas precipitações próprias das decisões movidas por emergências e pressões institucionais.
As concessões excessivas contidas na medida provisória são exemplos dessas precipitações.
A indústria automotiva quer ampliar sua atuação no Mercosul em função do potencial do mercado.
Os incentivos ao investimento ajudam, mas não são a essência da decisão. O Brasil já detém mais de 75% do mercado regional e tem um parque produtivo muito mais desenvolvido que os dos demais países.
Não é necessário provocar déficit no balanço de pagamentos ou mesmo criar a figura dos "newcomers" de autopeças, facilitando a montagem de depósitos maquiados como empresas.
Também pouco se exige dos beneficiários quanto a garantir que o país seja uma base produtora tecnologicamente competente, não regredindo ao estágio de simples montador.
Seriam interessantes compromissos de que mais carros mundiais fossem lançados a partir do Brasil.
Mesmo sabendo-se que economicamente isso só faz sentido em poucos casos, trata-se de recurso essencial para manter a oxigenação da engenharia e a relação com os centros de negociação.
O segundo cuidado consiste em permitir que as empresas possam sobreviver aos efeitos do plano de estabilização monetária.
A situação das indústrias produtoras de matérias-primas e de autopeças é um alerta desse perigo.
Com a abertura da economia, essas empresas vêm investindo para reestruturar seus negócios, cientes de que só as melhores sobreviverão. O Plano Real, contudo, trouxe uma covardia competitiva.
Para uma inflação de 50%, repassada aos salários, os preços de bens importáveis subiram menos de 18%, transferindo renda desses para outros setores da economia.
Além disso, facilitou-se a importação pela valorização da taxa de câmbio, reflexo do fluxo de capitais atraídos pelas taxas de juros pagas pelo governo.
Dessa forma, esses setores não só tiveram suas margens negativas ainda mais comprimidas pela concorrência externa e pelos custos internos como continuam obrigados a financiar sua reestruturação a taxas de juros impagáveis.
Os consequentes esforços de demissões (única variável administrável) já vão além dos ganhos de produtividade possíveis no período, dilapidando a capacidade de reação.
Enfim, várias medidas foram tomadas na direção correta e a indústria automotiva brasileira pode atingir classe mundial. Contudo, há muitos riscos no período de transição. Fazem falta análises mais elaboradas e melhor conciliação das necessidades dos diversos agentes econômicos.

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