São Paulo, domingo, 9 de junho de 1996
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NA PONTA DO LÁPIS

MARCELO LEITE

O conflito ideológico no Brasil está se transformando numa guerra numerológica. Dados estatísticos e financeiros são a faca amolada com que hordas de neoliberais e atrasados tentam escalpelar-se uns aos outros, na arena da opinião pública. Os jornalistas ficam no papel de gandulas, pois agem somente para fazer a disputa continuar, e não para resolvê-la.
Tome o exemplo dos gastos sociais do governo federal. O Tribunal de Contas da União (TCU), agora convertido à doutrina social, diz que foram reduzidos em 20% ou coisa que o valha. Conseguiu assim galgar a manchete da Folha da 31 de maio: "Governo diminui os gastos sociais".
Ocorre que, nas contas do neocandidato e ex-ministro José Serra, os gastos não diminuíram, mas aumentaram. Pasme: 30%. Os mesmos gastos. Os jornais registram, até fazem graça (confira na nota "Mágica dos números", na seção Painel de 3/6/96). E deixam por isso mesmo...
É impossível que diferentes metodologias expliquem toda a distância de 50 pontos percentuais entre um cálculo e outro. O mais provável é que ambos estejam temperados com má-fé. Mas há de haver um critério técnico para desempatar essa estatística. Crescer e diminuir ao mesmo tempo é que não pode.
Se depender dos jornais, porém, alguém é capaz de acabar propondo no Congresso a revogação do princípio da não-contradição. O país passaria desta fase capadócia de reformas constitucionais para a das reformas substanciais, metafísicas mesmo. Seria o paraíso na terra dos tucanos, em que fisiologia assume ares de modernidade e trator desfila como veículo do futuro.
Para os que ainda acreditam em lógica aristotélica e discussão intelectual, no entanto, sugiro a leitura do artigo do ex-ministro Mailson da Nóbrega na pág. 2-2 de anteontem ("O Tribunal de Contas, o social e o gasto social").
O interesse que move Mailson é claramente o de defender a política do governo, mas ele pelo menos apresenta argumentos. Não se limita a pôr um dado ao lado do outro, para em seguida lavar as mãos. Tem peito para dizer que um deles é mais correto do que o outro.

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