São Paulo, domingo, 9 de junho de 1996
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"Não quero ser livre", diz matador

MARCELO GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

Márcio D., 40, só tem um plano para o futuro: não ser libertado. Em 1975, jovem de classe média, matou o padrasto. Ficou 13 anos preso. Em 89, um ano depois de deixar a prisão, matou a mãe.
Dentro desse plano, há um único desejo: deixar o Manicômio Judiciário de Franco da Rocha e voltar ao hospital Charcot (ambos na Grande SP), onde passou três anos. "Prefiro isso à liberdade. Lá tem uma praça e meu melhor amigo: o doutor Clemente."
Márcio passa os dias assistindo a filmes de terror na televisão e buscando no rádio músicas do grupo de rock Led Zeppelin.
Fala com dificuldade. No passado, usou todo tipo de droga. "Antes de matar minha mãe, tomei uma injeção de éter." A entrevista é entrecortada por pausas seguidas pela mesma pergunta: "O que eu estava falando?"
Ele está no manicômio há quatro anos. Não trabalha e diz que não tem amigos. "Meu pensamento é rápido demais para eles. Por isso, sou invejado."
Narra os crimes com minúcias. "Era Dia das Mães. Tinha comprado um buquê. Quando fui entregá-lo, peguei minha mãe com um amante. Dei uma facada no coração e mais quatro, por sadismo." Nesse momento, altera a voz, perde o fôlego, move a cabeça e gagueja.
Nas primeiras internações, os médicos achavam que Márcio sofria surtos psicóticos em função das drogas. Com o tempo, seu estado piorou, e o diagnóstico também: ele tem esquizofrenia paranóide, que pode levá-lo à demência.
Zorro
Bendito D., 49, não mata ninguém na prisão há 16 anos. Os últimos 15, passou na Casa de Custódia de Taubaté (SP). Lá, as celas são individuais.
Há seis meses, foi mandado de volta para o manicômio. O objetivo era prepará-lo para ser solto, o que deve acontecer em 97.
No manicômio, reencontrou um interno, companheiro do passado, que avivou seu medo. Benedito sente-se perseguido.
"Se continuar aqui, terei de matar ou morrer. Se matar, não saio mais da prisão, e morto não é a forma como gostaria de sair." De nada adiantou o outro preso negar que planeje algo: ele pediu para ficar isolado numa cela.
Preso há 29 anos, Benedito foi considerado um oligofrênico leve, ou seja, tem debilidade mental. Ele matava colegas de cela e assinava um bilhete como "bandido Zorro". Hoje, quer voltar à Casa de Custódia e sente falta da disciplina. "Não há mais respeito na cadeia."
(MG)

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