São Paulo, domingo, 9 de junho de 1996 |
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Um vanguardista clássico
NELSON ASCHER
Além de poeta, Somlyó é também romancista, crítico literário (o principal em seu país a aplicar ao estudo da poesia as lições de Jakobson, Roland Barthes, Paul Valéry etc.) e um dos dois ou três mais importantes tradutores de poesia (lírica e dramática) numa língua em que, ao contrário da nossa, os poetas sempre consideraram uma obrigação e um prazer a naturalização de um número crescente de obras estrangeiras. Nesta última condição, ele prestou serviços inestimáveis à América hispânica e ao português, pois, não apenas traduziu extensamente do francês, sua segunda língua, como apresentou aos seus compatriotas nomes como Pablo Neruda (seu amigo pessoal), Vallejo, Octavio Paz (sua é a segunda tradução mundial de "Piedra de Sol") e Fernando Pessoa (1971: primeira antologia húngara). Ele recriou também poetas que vão de Racine ("Fedra") a Drummond, Vinicius de Morais e o autor anônimo do "Cântico dos Cânticos". Embora ele tenha a idade de João Cabral, sua poesia, por um lado, assemelha-se mais ao experimentalismo da geração imediatamente posterior -H.M. Enzensberger na Alemanha, Edoardo Sanguinetti na Itália ou os poetas concretos no Brasil. Por outro, seus poemas possuem diferenças relevantes, características da terra e da região em que foram escritos, sobretudo o quase insuportável peso de uma história geralmente devastadora. Eles tampouco poderiam deixar de evidenciar a trajetória pessoal do poeta durante a guerra e sob o stalinismo -trajetória que envolve, por exemplo, uma polêmica amarga com seu conterrâneo Georg Lukács. E, mesmo na literatura húngara, Somlyó ocupa uma posição singular, pois é um vanguardista clássico, algo que pode parecer um paradoxo -e é. Mas não gratuito. Ele é paradoxal à medida que suas duas coleções mais marcantes são, respectivamente, um conjunto, por assim dizer, "tradicional" de sonetos e um outro, mais "modernista", de poemas (sobretudo, mas não só) em prosa (chamados "Fábulas Contra a Fábula"). Pode-se, aliás, argumentar que o soneto até que é clássico, mas o poema em prosa, que remonta a meados do século passado, não é tão vanguardista assim. Só que no país em questão, o caso, ambos os casos são distintos. Não só é recente a difusão do soneto, como (devido ao apego até mesmo dos poetas modernistas locais às formas fechadas) são igualmente novos os versos livres e/ou "prosaicos". E o tratamento que Somlyó dá a ambos torna-os geralmente estranhos. Assim, nas suas mãos, o soneto e o poema em prosa convertem-se tanto na invenção de uma tradição alternativa -ocidentalizante, mediterrânea quanto na retomada de uma vertente esquecida da vanguarda das primeiras décadas do século. Seu "vanguardismo clássico" revela, portanto, um sentido não menos paradoxal, mas mais profundo, ou seja: ele decorre de um afã modernizante que é menos iconoclasta que recuperador, redimindo, para parafrasear Adorno, as possibilidades deixadas de lado pela história da poesia húngara e, talvez, por várias outras. Tradutor de tantas línguas, ele não é de todo desconhecido fora das fronteiras de sua própria e foi bem apresentado, particularmente em francês, por seus amigos Eugène Guillevic ("Contrefables", Ed. Gallimard) e Michel Déguy, de cuja revista, "Po&sie", ele é um dos conselheiros editoriais. Para a nossa língua ele já foi vertido pela portuguesa Natália Correia. Texto Anterior: CINEMA; LITERATURA; ENSAIO; BIOGRAFIA; ESTUDOS LITERÁRIOS; POLÍTICA; ESCRAVIDÃO; BIOGRAFIA Próximo Texto: A miragem permanente da literatura Índice |
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