São Paulo, domingo, 9 de junho de 1996
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A utopia concreta

ASPÁSIA CAMARGO

Neste final de século, dominado pelos negócios globais e coveiro de velhas ideologias, estamos vivendo o encerramento de um ciclo, de descontrolado progresso, e iniciando outro, marcado pelo princípio do equilíbrio e da sustentabilidade.
Não é fácil produzir essa reversão térmica tão radical, em que a negatividade parece ter sido a única forma capaz de barrar a sanha dos interesses estabelecidos que transformavam este encantador planeta onde vivemos em cemitério de sucata, de desolação e de lixo. Ar, água e terra poluídos de forma exponencial, eis o saldo final do industrialismo desenvolvimentista que beneficiou menos de 20% da população mundial em detrimento do resto, embora impondo aos demais hábitos perdulários e irracionais de produção e de consumo. Como inverter esse processo?
Pela mão de uma extraordinária mulher, Gro Brundtland, hoje primeira-ministra da Noruega, nasceu o novo conceito de desenvolvimento sustentável, que concilia, na era do ajuste e da estabilização, o desenvolvimento tão caro aos países mais pobres com o equilíbrio e conservação da espécie humana e dos recursos naturais disponíveis. Esses recursos deverão, daqui por diante, ser cientificamente medidos e monitorados por meio dos PIBs nacionais, exigindo reposição adequada.
O relatório Brundtland desembocou na conferência do Rio de Janeiro que produziu o mais importante documento diplomático do pós-guerra: a Agenda 21. Nesta era dos liberalismos e dos mercados, de competitividade desenfreada e desigualdades crescentes, na qual a inovação tecnológica subverte cotidianamente as relações sociais, reduzindo-as à frieza simplificadora do utilitarismo consumista, a Agenda 21 é o único instrumento de que dispomos para organizar o futuro, pensando o desenvolvimento com equidade, democracia, participação e sustentabilidade. Ela é a confluência possível das nossas aspirações e dos nossos sonhos com as capacidades disponíveis para executar tanto a Agenda Global quanto as agendas locais.
O planejamento estratégico é a utopia concreta que se baseia no fato de que os conflitos de hoje se diluem quando nos dispomos, conjuntamente, a pensar o amanhã. E, quando isso acontece, o amanhã se projeta no dia seguinte: idéias se convertem em ações relevantes e factíveis e os recursos aparecem com a legitimidade das próprias parcerias. Foi o que ocorreu nos Estados Unidos e também na China, cuja Agenda 21, já pronta, permitiu ao país captar internacionalmente US$ 1,2 bilhão.
Quem imagina que a importância do meio ambiente decresceu, por cansaço, depois da Rio 92, está redondamente enganado. Oitenta países já criaram seus conselhos e comissões de desenvolvimento sustentável, aliando a sociedade civil aos governos, e 30 deles já concluíram suas agendas nacionais, a elas integrando os chamados parceiros do desenvolvimento sustentável. Nos países mais avançados do norte, todas as prefeituras já estão concluindo suas agendas locais.
A ação empresarial, por sua vez, teve grande destaque depois da conferência do Rio e, de maneira crescente, vem incorporando a dimensão ambiental na melhoria da qualidade e da competitividade. No plano global, muitos microorganismos, como a tuberculose, estão de volta, e novos vírus emergem, sem medo dos antibióticos.
Na agenda doméstica, as enchentes de verão resultam de megacidades impermeabilizadas e da destruição da vegetação nas encostas. A poluição e o congestionamento em São Paulo aumentam a mortalidade de crianças e idosos, atacam os nervos e privam a população do sagrado direito de respirar. O drama de Caruaru resulta da ausência de gestão da qualidade da água, para a qual só agora despertamos.
No dia 17 de março de 1997 teremos, no Rio, um encontro marcado para avaliar o avanço e os resultados das agendas nacionais. Em junho do mesmo ano, reúne-se a Assembléia Geral das Nações Unidas para definir os novos rumos globais a serem seguidos. O Brasil, como sempre, um pouco atrasado, tem também o velho hábito de trabalhar em silêncio. Até o final do ano, teremos completado nossa Agenda 21 Nacional apoiada em muitas agendas locais, em pleno andamento.

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