São Paulo, segunda-feira, 10 de junho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Bogotá trata a violência como 'questão cultural'

FLAVIO CASTELLOTTI
DA REDAÇÃO

"A violência é um problema essencialmente cultural, portanto o uso da força está longe de ser a melhor solução para erradicá-la."
A opinião é de Antanas Mockus, 44, prefeito de Bogotá, capital da Colômbia.
Para ele, a violência e a delinquência são os problemas mais graves da cidade, que tem 60 homicídios por ano para cada grupo de 100 mil habitantes.
No Rio e em São Paulo, as taxas de homicídio são de 53 e 50 por 100 mil habitantes, respectivamente.
"A principal causa da violência não é a impunidade nem a carência de condições sociais básicas, como muitos pensam, mas sim a falta de barreiras culturais que a coíbam", sustenta o prefeito.
Figura polêmica, Mockus casou-se no ano passado pela segunda vez. A cerimônia aconteceu dentro de uma jaula de tigres em um circo de Bogotá.
Formado em filosofia, com mestrado na França, Mockus fez carreira acadêmica na Universidade Nacional da Colômbia, da qual foi reitor por dois anos, antes de ser eleito prefeito, em 1993.
Com vasta experiência na área de educação, ele defende a divisão dos alunos de universidades públicas em vários extratos sociais. "Assim, cada um paga de acordo com a situação financeira de sua família", explica.

Folha - Qual é o principal problema da cidade, e o que o sr. está fazendo para resolvê-lo?
Antanas Mockus - O maior problema de Bogotá é a violência. A cidade tem uma taxa anual de homicídios inaceitável: 60 por 100 mil habitantes. E há também os delitos menores, como assaltos, vandalismo e pequenos furtos.
Violência não se resolve com força, mas com uma transformação cultural da população. O tentamos fazer é agir sobre os grupos mais suscetíveis à transgressão.
Folha - Como é a ação, mais precisamente?
Mockus - Uma de nossas medidas foi dar maior apoio à Força de Paz. Trata-se de um grupo de 200 jovens, que está presente nos eventos de concentração de massas. Eles são instruídos para orientar e não para reprimir.
Outra medida foi o programa de mímicos para controlar o trânsito nos cruzamentos mais movimentados. Foi implementado juntamente com o programa dos cartões de futebol no trânsito.
Com isso, reduzimos a taxa de homicídios em 5% desde o início da minha gestão (janeiro de 95).
Folha - O sr. poderia explicar melhor esses dois programas relativos ao trânsito?
Mockus - Autoridade não é a melhor maneira para combater a contravenção. Pensei então na idéia de contratar mímicos e colocá-los nos principais cruzamentos, para combater a violência no trânsito.
Quando um motorista comete um delito, o mímico lhe diz com tranquilidade qual é o erro.
No caso de reincidência, aí sim, aplica a multa. Uma pesquisa no final de 95 mostrou que 86% dos motoristas gostavam da idéia. O programa foi um sucesso.
Folha - E o programa dos cartões?
Mockus - Cada motorista leva consigo, se quiser, os cartões amarelo e vermelho no carro.
Quando alguém comete uma infração, os próprios motoristas que estiverem ao redor podem reprimi-lo, mostrando o cartão que achem mais adequado.
É incrível ver como há solidariedade. Se alguém mostra um cartão, os outros motoristas também sentem-se encorajados a fazê-lo.
Folha - E o sr. considera esses programas de cunho cultural suficientes no combate à violência?
Mockus - Não diria que são suficientes. Opto por eles, pois os considero mais eficazes no combate, a longo prazo, da delinquência. Entretanto, quando esse tipo de programa fracassa, o uso da força justifica-se.
Há medidas coercitivas que emprego para complementar as ações culturais. Em Bogotá, a venda de álcool está proibida depois da 1h.
Estou tentando também reimplementar a proibição do porte de armas nos fins-de-semana. Os homicídios em uma metrópole fazem parte de uma equação com três incógnitas: álcool, porte de armas e agressividade.
Folha - O sr. citou medidas específicas contra o consumo de álcool e contra o porte de armas. E a agressividade?
Mockus - Fizemos no dia 3 de março um dia de combate à violência infantil, cujo pano de fundo foi o dia de vacinação. A prefeitura montou vários postos de vacinação em áreas carentes da cidade.
Além de vacinar 15 mil pessoas, o programa foi muito proveitoso para combater os maus-tratos infantis, uma manifestação da agressividade.
Em cada posto havia a "sala do boneco". A pessoa entrava e descontava no boneco -com gritos, tapas, chutes- seus rancores e ressentimentos.
O resultado foi surpreendente. Muitas famílias tomaram conhecimento pela primeira vez de que há instituições para tratar apenas do problema da violência infantil. No mês seguinte, as denúncias de maus-tratos triplicaram.
Folha - A educação não seria também uma maneira de solucionar o problema da violência?
Mockus - Sim, mas não é a forma mais eficaz. Como disse, o problema da violência em Bogotá é essencialmente cultural, inconsciente, uma questão de "falta de vergonha coletiva". A educação lida basicamente com componentes conscientes de reflexão ligados a informação e conhecimento.
Folha - Que medidas o sr. defende para melhorar a qualidade do sistema educacional colombiano?
Mockus - Uma medida que adotei na Universidade Nacional da Colômbia, quando reitor, e que há seis meses implementei na Universidade Distrital de Bogotá diz respeito à reestruturação das fontes de recursos das universidades. Ou seja, o aluno principiante responde um questionário sobre sua situação sociofinanceira.
Ele é colocado em um dos cinco "extratos sociais", que variam conforme seu nível de renda, bairro onde mora, enfim, suas condições socioeconômicas.
Os alunos do extrato mais elevado pagam cerca de 35% dos custos do curso. Os demais pagam porcentagens menores. Os do quinto extrato não pagam nada.
Folha - Ainda assim a universidade pública é dominada pelos ricos?
Mockus - Sem dúvida. Mas a "deselitização" da universidade pública é uma medida ainda mais complexa. Uma via seria a criação de um amplo programa de bolsas de estudo para pobres. A privatização de algumas gigantescas universidades liberaria o dinheiro.

Texto Anterior: Julgamento difícil
Próximo Texto: Governo quer trocar cesta por serviços
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.