São Paulo, segunda-feira, 10 de junho de 1996
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Café Tortoni tem o melhor do tango

RODRIGO LEITE
EM BUENOS AIRES

"Existe um momento em que Buenos Aires se torna melancólica, decadente. Neste momento, só nos resta fazer um tango."
Quem define o estilo é o bandoneonista Luis Longhi, do conjunto Tangata Rea. O grupo é uma das três atrações fixas (todas as sextas-feiras) do Café Tortoni, o mais tradicional reduto do tango local.
Não imagine, entretanto, que isso significa um repertório "quadrado", dedicado exclusivamente aos clássicos de Carlos Gardel.
Quem vai ao Tortoni -argentinos, quase exclusivamente- não procura nada que possa agradar a turistas: se fosse uma casa brasileira, comparemos, lá você ouviria o choro "Odeon", de Ernesto Nazareth, mas nunca mulatas dançando "Aquarela do Brasil".
O Tangata Rea se tornou uma espécie de cria do Tortoni. Seus componentes são jovens (na faixa dos 20 anos) e mostram uma formação insólita (três mulheres e dois homens; piano, flauta, contrabaixo, violão e bandônion).
Aliam a reverência pelos clássicos ao bom humor e às experimentações, no estilo de Astor Piazzolla.
O Tortoni já valeria uma visita só pela sua arquitetura. É o café mais antigo de Buenos Aires. Foi fundado em 1858, por um francês, que copiou o nome de um bar de Paris.
Passou por outro endereço antes de chegar à av. de Mayo, 829, perto da Casa Rosada.
O estilo de seu interior, que data do final do século 19, impressiona: colunas em estilo art nouveau, lustres de néon, espelhos e simpáticas mesas de sinuca no fundo.
Mas não se assuste com o luxo -os preços são semelhantes aos de qualquer outro café da cidade (US$ 3,50 um chope, US$ 1,70 um café, US$ 3 um hambúrguer; para os shows, ingresso de US$ 9 e consumação mínima de US$ 6).
Pelas mesas do bar passaram alguns dos nomes mais importantes da cultura local e internacional: Luigi Pirandello, Federico García Lorca, Artur Rubinstein, Jorge Luis Borges e, claro, Gardel.
Dois domingos atrás, o Tangata Rea fez uma apresentação extra, gratuita, para comemorar sua centésima apresentação. Do lado de fora do Tortoni, cerca de 50 pessoas se aglomeravam, tentando conseguir um lugar.
Senhores e senhoras elegantes e respeitáveis foram lá lembrar a época em que o tango era sinônimo de glamour; jovens de jeans e camiseta, entusiasmados com a música que conhecem desde que nasceram; crianças começavam a se familiarizar com a maior expressão da cultura portenha. Apesar da decadência, apesar da melancolia, o tango está vivo.

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