São Paulo, terça-feira, 11 de junho de 1996 |
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A revolução dos velhos e o imaginário infantil
MARILENE FELINTO
Rasgaram e arrumaram pedaços do papelão, juntaram panos e montaram um mocambo de porta e janela. Ali entravam e dali saíam cheios de emoção, inventando modos de se defender dos diversos perigos da noite -cachorros, o vento, o frio, a chuva. Tocante o mecanismo pelo qual a realidade virava brincadeira. Os meninos não tinham medo nem tampouco vergonha de interpretar aquele papel extremo dos sem-cidadania. Identificavam-se com algo daquela fragilidade de paredes moles no meio da rua e da noite ameaçadora. Não encontrei motivo imediato para que houvesse um velho entre os sem-teto, a não ser a mesma identificação com a vulnerabilidade. Talvez o menino que quis o papel do velho tivesse prestado atenção aos pedaços de notícia que a televisão despejava na sala. Naquele dia, 300 velhos de São Paulo tinham fechado uma rua da cidade, em protesto diante da sede do Centro Trasmontano, que reajustou em abusivos 500% os planos de saúde dos idosos. Outros tempos esses em que o Brasil grita que está velho e em que nas brincadeiras de casinha, de mocinho e de bandido, as crianças já não são super-heróis americanos, já não se defendem do bicho-papão ou das forças do mal dos seriados japoneses. Velhos, sem-teto e crianças lutam contra o mesmo inimigo invisível, o banditismo multiface brasileiro. Temos tido exemplos de que a saúde privada está nas mãos de verdadeiras gangues organizadas. Não é filantropia o que move dois empresários do Rio -Mansur José Mansur e Eduardo Espínola-, sócios de 11 clínicas para idosos, entre elas a Santa Genoveva. O ramo deles é o franchising da saúde, o lucro, o leasing da morte. No próximo século, o país terá mais velhos do que nunca. Preocupado, o Governo pretende regulamentar uma lei que cria a Política Nacional do Idoso. Mas se não funcionar, ou se os velhos não morrerem espontaneamente, insistindo em sobreviver feito árvores centenárias, não há problema: o Brasil seguirá matando velhos, como vem fazendo hoje. Pensei se seria o computador -dada a súbita intimidade das crianças com ele- motivo de um futuro abismo entre a minha geração e a delas. Engano. Espantosas e inacessíveis para mim eram as fantasias fabricadas naquelas mentes jovens a partir do lixo, do papelão social brasileiro. E-mailmfelinto@folha.com.br Texto Anterior: Pastor é morto em templo da Universal Próximo Texto: Detentos fazem 18 reféns em Cuiabá Índice |
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