São Paulo, quinta-feira, 13 de junho de 1996
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Driblando o trânsito

MOACYR SCLIAR

"Estamos transmitindo diretamente do centro de Bogotá, onde, dentro de poucos instantes, terá início mais uma peleja deste sensacional campeonato que é o trânsito nas grandes cidades latino-americanas. Nervos tensos, respiração suspensa, os jogadores, posicionados na avenida, preparam-se. Todos os olhares estão fixos no farol do cruzamento principal. Atenção... Luz verde! Começou!
E o começo é meio atabalhoado. Ninguém se entende. Grande confusão, em meio ao rugido dos motores e ao som estridente das buzinas. Mas as atenções da torcida estão focadas no Mitsubishi preto, por todos considerado o grande astro dessa tarde. Dizem que pretende vencer de qualquer maneira. E de fato, arranca a toda velocidade. Passa por um Toyota azul, passa por um Uno Mille, engana com uma genial finta um Escort -e vem com tudo! Os adversários partem no seu encalço, mas é inútil, não podem competir com esse verdadeiro demônio da velocidade! E ele vem vindo! Agora acabou de cortar a frente de uma Besta, numa manobra que muitos considerariam arriscada, e... cartão amarelo! O Mitsubishi preto recebe um cartão amarelo! A torcida protesta, indignada. Daqui onde estamos não podemos afirmar com segurança se houve a transgressão ou não. De qualquer maneira, o Mitsubishi já se recupera, e dispara de novo, passa por um, passa por dois, sensacional, ouvintes, ele vem com tudo, só que à sua frente há um caminhão, ele passa pelo caminhão -e quase atropela um pedestre, um indivíduo imprudente que estava cruzando a pista sem se dar conta da importância desta competição, um irresponsável, um... Mas -o que é isto? O pedestre está dando cartão vermelho ao Mitsubishi, senhoras e senhores! O Mitsubishi que estava tendo um notável desempenho recebe cartão vermelho! E já a torcida invade a avenida e se cria uma grande confusão, o arrogante pedestre desaparece -e lá vai o cartão vermelho, levado pelo vento! O cartão vermelho se vai, desaparece no horizonte, enquanto o Mitsubishi, triunfante, dispara veloz, e nós consultamos o nosso cronômetro... terminou! Terminou a partida!
Venceu quem tinha de vencer. Ou, como se costuma dizer: deu a lógica. Com cartão vermelho e tudo deu a lógica. Deus não joga, mas fiscaliza."

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