São Paulo, quinta-feira, 13 de junho de 1996
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Tempo perdido

TEREZA LAJOLO

Após diversas trapalhadas da prefeitura no anúncio da nova tarifa de ônibus, esta sobe mesmo para R$ 0,80, com 23% de aumento, 4% a mais do que a inflação no ano. Um usuário de quatro conduções ao dia gastará R$ 70,40 por mês. Caso ganhe salário mínimo, terá que optar entre andar de ônibus ou comer.
Indiferente a isso, a prefeitura tenta nos convencer de que a tarifa é uma das mais baratas entre as capitais. Para conferir, as tarifas do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza e Ribeirão Preto, reajustadas até maio, ficaram entre R$ 0,50 e 0,70. E a maioria das capitais não reajustou este ano. O fato é que a gestão Maluf desperdiçou uma oportunidade única de garantir, em São Paulo, um transporte modernizado, socialmente controlado e mais barato. Nenhum prefeito paulistano, ao assumir, encontrou no transporte a casa tão arrumada quanto a que foi deixada a partir da municipalização.
Com frota renovada, padrão de qualidade e controle definidos na lei e na prática, a nova administração tinha nas mãos a faca e o queijo para novos saltos de qualidade já no primeiro ano de governo. Uma política de linhas circulares no centro com a descentralização dos terminais, a adoção do bilhete único, maior racionalização do transporte interbairros são apenas exemplos de medidas que poderiam ter barateado e agilizado o transporte, alterando ainda a lógica radiocêntrica das linhas (todo o trânsito converge ao centro, aumentando o tempo das viagens e saturando o coração da cidade).
A gestão Maluf preferiu o caminho da gradativa desregulamentação, fracassada em vários países. Permitiu a diminuição da frota circulante (recurso usado pelo setor privado para redução de custos) e apoiou-se no serviço de ônibus clandestinos como "transporte tampão" para áreas mal supridas. Além desses ônibus, proliferam as Kombis, mais de 8 mil, que cobram o que bem entendem do usuário. A prefeitura também descartou mecanismos de controle que funcionavam por intermédio da CMTC e com os quais o poder público tinha razoável domínio dos custos reais do setor.
Hoje, novamente, quem diz o preço da tarifa, com demasiado poder de pressão sobre a prefeitura, são as empresas operadoras. E por conta do setor privado -incluídos aí os clandestinos- ficam os níveis de qualidade e segurança oferecidos ao usuário, que decrescem a olhos vistos. A prefeitura perdeu não só o controle, mas a autoridade para definir o serviço. Tudo isso é um preço alto que o paulistano está pagando. Muito além da inflação.

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