São Paulo, sexta-feira, 14 de junho de 1996
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Ainda Dornbusch (2)

CELSO PINTO

Quando o economista Rudiger Dornbusch recomendou uma desvalorização cambial, no Brasil de hoje e no México antes da crise de 94, mexeu num vespeiro. Muitos economistas não acham sequer que seja possível alterar o câmbio real, quanto mais definir seu valor correto.
Pouco antes da crise do México em 94, seu governo sustentava que não havia defasagem cambial (a produtividade havia compensado) e os mercados acreditavam. Em parte, porque é difícil mesmo definir um preço correto para o câmbio (tanto quanto para ações e imóveis), argumenta Dornbusch no artigo "Currency Crises and Collapses", citado na coluna de ontem.
Mas também em função das diferentes visões dos economistas sobre o papel do câmbio, o que acaba afetando as políticas concretas e a visão do mercado. Ele diz que existem três visões básicas sobre a taxa de câmbio real (isto é, descontada a inflação interna e externa).
A primeira é a monetarista. Importante, nesta visão, é ter uma política monetária apertada, mercados livres e impostos baixos -e aguentar o tranco quando a crise chega, com juros ainda mais altos. Desvalorizar o câmbio, jamais.
Dornbusch diz que essa visão é ingênua, embora influente no mercado internacional. Dizer que juros altos bastam para acabar ataques especulativos é esquecer que a Suécia, em 92, chegou a elevar seus juros para 80% sem conseguir evitar o colapso. Além disso, um dos problemas do modelo de câmbio valorizado é que exige juros altos, o que leva a baixo crescimento e perda de apoio político. Responder à crise com juros ainda mais altos só agravaria esse quadro.
A segunda visão é a do modelo clássico de equilíbrio. Nessa perspectiva, a valorização do câmbio é um prêmio natural pelas reformas e pela estabilização feita pelos países. Como o país está fazendo seu dever de casa, chovem dólares, e isso provoca a valorização da moeda interna, que é um preço como outro qualquer.
Nada demais. Desde que as reformas caminhem na direção correta, os ganhos de produtividade acabarão compensando a valorização cambial. Além disso, se o modelo gera déficits nas contas externas, tudo bem. É uma forma de absorver poupança externa, algo desejável e justificável se o rumo econômico é correto.
O problema, argumenta o artigo, é que esse cenário deveria ser compatível com uma economia em crescimento, com um "boom" de investimentos e consumo. No México, ao contrário, a economia ficou patinando (3% de crescimento, em média, entre 90 e 94). Como nessa visão não existe sobrevalorização cambial, por definição, quando a crise chega é preciso descobrir outras desculpas. No caso mexicano, choques externos e erros na política econômica, segundo o diagnóstico posterior do FMI.
A terceira visão é a do desequilíbrio, compartilhada por Dornbusch. Supõe que o câmbio é uma variável que pode e deve ser utilizada. Reformas necessárias, especialmente a abertura do comércio exterior, devem vir acompanhadas por uma desvalorização cambial, para evitar uma retração muito grande no emprego e no crescimento. O modelo mexicano (e brasileiro) seguiu na direção oposta, da valorização cambial.
Não adianta, contudo, apenas desvalorizar, sem fazer um ajuste fiscal e monetário, ou numa conjuntura de "boom" econômico. Nesses casos, o reajuste cambial pode se transformar apenas em mais inflação, na medida em que seja repassado para preços internos e salários.
Qual o menor custo? A curto prazo, argumenta o trabalho, a valorização cambial parece um atalho para acabar com a inflação sem custos. Quando cai o crescimento e chega a crise externa, contudo, o custo fica alto, tanto se houver um colapso cambial quanto se houver uma tentativa de segurar a inflação com juros ainda mais altos.
Daí sua polêmica proposta que é melhor aceitar alguma inflação residual moderada, preservando o crescimento com um câmbio realista. O Chile, depois do desastre de 82, fez isso e, entre 86 e 94, cresceu em média 7% ao ano, com uma inflação anual média de 18,7%. Hoje, a inflação anual está em 8% e em queda.
O Chile, diz Dornbusch, aprendeu com sua crise de 82 e tentou um caminho alternativo. O México não aprendeu e repetiu a crise em 94.
Funcionaria com o Brasil? Questão para a próxima coluna.

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