São Paulo, sexta-feira, 14 de junho de 1996
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Saúde, Aids e maternidade

MÁRIO SCHEFFER

Os serviços públicos de saúde e as organizações não-governamentais estão despreparados para receber as mulheres infectadas pelo HIV, que já somam 15 mil do total de 80 mil casos de Aids notificados no Brasil. Por trás dos números, esconde-se um drama: mãe e criança estão no coração da nova dimensão epidêmica da Aids.
À medida que aumenta o número de mulheres infectadas, cresce a proporção de crianças suscetíveis de estar contaminadas ao nascer. Até o ano 2000, projeta-se mundialmente em 10 milhões o número de órfãos entre 5 e 10 anos por causa da Aids. As crianças pagarão um pesado tributo da epidemia, porque estarão doentes ou porque verão seus pais desaparecerem.
No campo médico-científico, tivemos avanços. Sabe-se o risco aproximado de transmissão do HIV durante a gravidez, com taxas de 15 a 40%. Também provou-se que o uso de antiviral durante a gestação reduz a taxa de contaminação vertical. Técnicas de detecção do vírus revelam se a criança é infectada antes de seis meses de vida. Mas a ciência desconhece o período exato da passagem do HIV no útero, durante o parto e amamentação; a frequência relativa do vírus; o papel da placenta e os fatores maternais e genéticos que podem influenciar a transmissão.
O pior está reservado à assistência. Centros de referência em Aids não têm ginecologistas à disposição. Profissionais despreparados nem sequer dialogam com a paciente sobre a interrupção ou prosseguimento da gravidez, introdução de medicamentos para prevenção e precauções para o nascimento.
Não são medidas as consequências do teste anti-HIV durante o pré-natal. Em caso de resultado positivo, não são colocadas alternativas para a paciente. O desejo de ter um filho pode acentuar-se quando a mulher se descobre HIV positiva. Se a opção for pelo aborto, os serviços de saúde ignoram a escolha, pois entra em conflito com a ilegalidade.
Por fim, a frequência e as circunstâncias da separação da mãe e da criança, em função da doença, exigem ações que não têm sido implementadas.
Reféns da política de subvenção governamental, muitos grupos de luta contra a Aids se transformaram em escritórios de projetos de prevenção primária, esquecendo os portadores do HIV, em especial as mulheres infectadas. É hora de exigirmos programas voltados à mulher soropositiva, ao financiamento de casas de apoio, à capacitação de recursos humanos e à assistência médica com dignidade dirigida a esta população.

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