São Paulo, sábado, 15 de junho de 1996
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Gabriel García Márquez descreve guerra do tráfico

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Não é à toa que o novo livro de Gabriel García Márquez, "Noticia de un Secuestro", é um fenômeno de vendas (120 mil exemplares na Argentina, onde acaba de sair). Suas 346 páginas são uma lição de jornalismo e literatura.
O livro deve ser lançado no Brasil em novembro, pela Record, em tradução de Eric Nepomuceno.
Não é um romance. É a reconstituição minuciosa dos sequestros de jornalistas e mulheres de políticos por narcotraficantes, na Colômbia, em 1990.
A partir de um sequestro em particular -o de Maruja Pachón de Villamizar, diretora do Focine, a "Embrafilme" da Colômbia-, o escritor amplia o foco de sua narração até abarcar outros três sequestros (dez sequestrados, ao todo) e formar um painel eletrizante da guerra entre o Estado colombiano e o narcotráfico comandado por Pablo Escobar.
O contexto dos sequestros era o seguinte: Escobar e seus sequazes queriam forçar o governo colombiano a abrir mão da ameaça de extradição dos principais líderes do tráfico para os EUA, onde os aguardavam penas duríssimas.
Propunham-se a entregar-se à Justiça desde que o governo garantisse que não os extraditaria. Queriam conquistar o estatuto de presos políticos, receber indulto e ser considerados um partido político, a exemplo do que havia ocorrido com os guerriheiros do M-19.
Com admirável habilidade, o autor descreve passo a passo o drama dos reféns, a angústia de suas famílias, o impasse nas negociações, o recrudescimento da guerra. Esta incluía atentados e explosões de carros-bombas, por parte dos traficantes, e prisões arbitrárias de suspeitos, por parte da polícia.
Poucos escritores seriam capazes de dar conta, com tamanho controle, desse mundo em convulsão.
Nesta nossa época de vaidades à flor da pele, em que os textos fúteis em primeira pessoa assolam os jornais e revistas, é espantoso ver um dos mais importantes escritores do mundo abrir mão de seu festejado estilo barroco e estabelecer limites severos a sua prodigiosa imaginação para dar a ver, com uma linguagem sem firulas, os fatos que descreve.
Mas, se há "transparência" nessa linguagem, não há inocência. Mais do que ninguém, García Márquez sabe que a reportagem é uma forma de organização dos dados do mundo com vistas a dar-lhes um sentido.
É esta consciência que o resguarda de se perder no emaranhado de fatos que narra. E é sua habilidade literária que lhe permite tecer essa história real com o ritmo e a tensão de um romance policial.
García Márquez no Brasil

ONDE ENCONTRAR - Livraria Letraviva (av. Rebouças, 2.080, São Paulo, tel. 011/280-7992).

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