São Paulo, domingo, 16 de junho de 1996
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Por que os ricos ficam mais ricos

MICHAEL LIND
ESPECIAL PARA O "NYT BOOK REVIEW"

O que o jogador de basquete Michael Jordan, a apresentadora Diane Sawyer, a modelo Elle Macpherson e o escritor John Grisham têm em comum? De acordo com Robert H. Frank e Philip J. Cook, em "The Winner-Take-All Society" (A Sociedade do Vencedor-leva-tudo), todos eles são beneficiários de mercados nos quais impera a regra de que o-vencedor-leva-tudo, nos quais figuras de maior expressão tendem a monopolizar pagamentos e prestígio, deixando poucos ganhos ou glórias ao vasto número de coadjuvantes -uma espécie de Terceiro Mundo profissional, com uns poucos oligarcas milionários e uma maioria de miseráveis.
O fenômeno não é novo em indústrias que giram em torno de algumas super-estrelas. Frank, que ensina economia na Cornell University, e Cook, professor de políticas públicas na Duke University, afirmam em seu livro que o "star system" está se tornando comum em várias áreas, em prejuízo não só da igualdade social como também da eficiência a longo prazo: "A estrutura de remuneração comum na indústria de entretenimento e nos esportes permeia agora outros setores da economia".
Ao argumentarem que mercados eficientes podem se tornar danosos à sociedade, os autores desafiam parte da sabedoria convencional de conservadores e neoliberais. O desafio vem em boa hora para os EUA, agora que a desigualdade na distribuição de renda chegou a proporções inauditas desde a Grande Depressão: "A renda do 1% mais rico mais que duplicou-se em termos reais entre 1979 e 1989, período durante o qual a renda média manteve-se em geral estável e no qual os 20% mais pobres viram sua renda cair em 10%".
Frank e Cook rejeitam o argumento de que a desigualdade está aumentando em virtude de mudanças no "capital humano", isto é, na "produtividade individual e qualidades análogas, entre elas a formação escolar, a experiência, o talento, a iniciativa e a inteligência". Os teóricos do capital humano tendem a atribuir a desigualdade crescente à incapacidade de aproveitar as oportunidades, seja por formação deficiente (Robert Reich) ou por inferioridade genética (Charles Murray).
Citando as análises de Christopher Jencks (no livro "Desigualdade", de 1972), para quem diferenças de capital humano não explicam mais que 15% dos casos de variação de renda, Frank e Cook mostram convincentemente que pequenas mudanças na distribuição de talentos não são suficientes para explicar o radical crescimento da desigualdade.
Para dar um exemplo apenas: o fato de que hoje os vencimentos de um grande executivo americano sejam mais de 120 vezes maiores que os de um operário, quando não eram mais que 35 vezes maiores em 1974, não é absolutamente resultado de mudanças na capacidade profissional de patrões e empregados, mas sim da rinha por executivos que as grandes empresas travam entre si. Na Alemanha e no Japão, altos executivos ascendem quase que inteiramente no interior de uma mesma empresa -e nesses países não houve grandes aumentos nos seus salários (o que aliás desmente a alegação de que os altos salários norte-americanos são fruto da "globalização da economia"; o fator-chave é a estrutura peculiar da administração empresarial nos EUA).
Até recentemente, os conservadores argumentavam que a desigualdade crescente era apenas uma ilusão estatística. Mas, hoje em dia, conservadores inteligentes como David Frum preferem tomar um caminho diferente: a desigualdade é real, mas, como sua causa principal é o aumento dos grandes salários, para que reclamar?
Frank e Cook oferecem uma resposta. O "star system", da advocacia à administração de empresas, passando pela universidade, está distorcendo a sociedade, ao canalizar jovens talentos para competições em que a maioria deve necessariamente perder: "Estamos dizendo que incentivos de mercado sempre atraem competidores em excesso para mercados em que o vencedor leva tudo, e muito poucos para outras carreiras".
O caso mais gritante é o desvio dos "nossos melhores estudantes" para as finanças ou para a advocacia, todos com a esperança de se tornarem o próximo George Soros. A idéia de que os estudantes calcularão racionalmente suas chances de sucesso em um dado ramo de atividade é negada pelo que um psicólogo denominou "Efeito Lake Wobegon" (em alusão àquela cidade em que todos os homens são bonitões e todas as crianças acima da média). Como bem notam Frank e Cook, "mercados em que o vencedor leva tudo atraem competidores demais, em parte por causa da 'quedinha' humana pelo jogo, por causa de nossa tendência a exagerar as chances de vitória".
A parte menos convincente é a proposta de deter esse "inchaço" por meio de impostos extras sobre as grandes estrelas: ao desviar os aspirantes para outras atividades, "o imposto reduziria os custos do torneio das estrelas", e a sociedade não precisaria ter medo de desencorajar futuros Pavarottis, "porque os primeiros a desistir seriam os com menores chances de chegar ao topo". Haveria menos artistas famintos e mais engenheiros em situação confortável.
Entretanto, não há garantia de que "um imposto progressivo não possa acabar por reduzir a eficiência econômica". Segundo os próprios autores, os maiores salários do "star system" vão para as mãos de expoentes em profissões já muito bem remuneradas. O imposto progressivo talvez tornasse os grandes advogados menos comuns, mas enquanto um advogado médio ganhar mais que um engenheiro médio, o imposto não fará futuros advogados dirigirem-se à escola de engenharia (os autores não discutem o efeito de um imposto sobre todos os advogados).
A proposta em favor de maiores impostos teria que basear-se em argumentos mais plausíveis do que o suposto efeito desencorajador sobre magos de Wall Street e romancistas de pouco talento. Mas o livro tem um argumento mais persuasivo -e igualmente apto a ultrajar os entusiastas do "laissez faire". Ele pede um sistema de regulação para profissões que, sem regras específicas e inibições éticas, acabarão por degenerar em cópias do "star system".
Os autores citam casos de restrições à competição assassina nos esportes e lamentam ainda a destruição de acordos dessa espécie vigentes no meio acadêmico, agora que a Suprema Corte, com base na lei antitruste, condenou a política unificada de auxílio financeiro praticada pelas grandes universidades da Nova Inglaterra. Agora que as universidades são forçadas a competir pelos melhores alunos, "a ajuda financeira não deve reverter para os alunos de famílias mais necessitadas, e sim para os alunos com melhores notas".
Frank e Cook tendem a transformar o sistema de o-vencedor-leva-tudo em uma explicação- pra- toda-obra, e muitos leitores acharão o remédio pior que a doença. Mesmo assim, o livro é uma grande contribuição ao debate sobre as causas e consequências da desigualdade de renda nos EUA.
Seus autores escrevem: "Os jovens economistas de hoje espantam-se quando lêem que, há pouco tempo, seus predecessores acreditavam que a cura para a economia estagnada estava na redução da oferta de moeda. O problema da nossa época não é a depressão, e sim coisas como os males da desigualdade crescente, déficits orçamentários e crescimento lento. Mas a típica resposta conservadora à situação não tem melhores chances que as propostas de contração monetária da época da Grande Depressão". Frank e Cook vêem oportunamente lembrar-nos de que a estrutura de remuneração do livre-mercado pode não coincidir com a estrutura de incentivos de uma sociedade mais igualitária e eficiente.

Onde encomendar: "The Winner-Take-All Society - How More and More Americans Compete for Ever Fewer and Bigger Prizes, Encouraging Economic Waste, Income Inequality, and an Impoverished Cultural Life" (A Sociedade do Vencedor-Leva-Tudo - Como Mais e Mais Americanos Competem Por Cada Vez Menos e Maiores Prêmios, Encourajando o Desperdício Econômico, a Desiqualdade de Renda e uma Vida Cultural Empobrecida), de Robert H. Frank e Philip J. Cook, pode ser encomendado, em São Paulo, à Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, tel. 011/285-4933).

Tradução de Samuel Titan Jr.

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