São Paulo, quarta-feira, 19 de junho de 1996
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'Rei do Gado' é 'Quatrilho' na TV

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Muitos dos comentários sobre "O Quatrilho" associaram o filme às novelas. O filme conta direito um drama familiar. A nova novela da Globo, "O Rei do Gado", lembra "O Quatrilho".
"O Rei do Gado" estreou combinando mais uma vez o primor cinematográfico da direção de Luiz Fernando Carvalho com o capricho melodramático do texto de Benedito Ruy Barbosa.
Os cenários e figurinos rústicos arriscam uma estética menos glamourosa do que o padrão convencional. Trazem para o horário das oito um pouco da experiência da minissérie "Maria Moura". Embora as sedes de fazenda sejam grandiosas, os interiores são desprovidos de luxo e excesso de cenário. As roupas são desbotadas.
Como em "Renascer", o diretor se esmera em experimentar com a luz. A iluminação cuidada puxa para o tom amarelado e admite muitas sombras e sutilezas. Contrasta com o brilho uniforme e chapado que caracteriza a maior parte dos programas de televisão.
O primeiro capítulo foi dedicado à apresentação dos personagens centrais da primeira fase da história. Aqui não há novidade. Há um roteiro simples, mas bem amarrado em torno de um tronco principal. Duas famílias inimigas. O filho único de uma se apaixona pela única filha mulher da outra.
Como não estamos nem Nordeste nem no Pantanal, mas no interior do Estado de São Paulo, os chefes não se chamam coronéis. Mas as relações patriarcais estão lá representadas tal e qual. A ponto das diferenças entre homens e mulheres ficarem bem demarcadas no tipo físico dos personagens.
As mulheres são loiras de olhos claros. A discrepância castanha de Eva Wilma foi providencialmente corrigida com lentes de contato azuis. Os homens fazem o tipo latino moreno e rude. O primeiro capítulo sugere que a fase inicial do "Rei do Gado" realiza com perfeição as exigências do melodrama.
A interpretação de Antônio Fagundes no papel do fazendeiro Mezenga e Vera Fischer no de sua mulher, merecem destaque.
Na segunda fase traz discussões sobre a estrutura agrária do país.
Depois de atingirem estrondoso sucesso de público, durante anos ignoradas e desprezadas pelo cinema e pelo teatro, as novelas de repente inspiram produções cinematográficas e teatrais. O interessante é que enquanto as novelas sempre pretenderam se legitimar incursionando no terreno da crítica política, é justamente sua trama melodramática básica que inspira produções como "Melodrama" ou "O Quatrilho".
Nos anos 70, Nelson Rodrigues provocativamente declarou a um jornal alternativo que novela de televisão não pode ser realista, tem que ser fiel à fantasia dos "Sheik de Agadir" (ou de Ipanema). Talvez seguindo a receita do velho mestre, nossa cena cultural peça sempre excessos de melodrama.

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