São Paulo, quinta-feira, 20 de junho de 1996
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Manicômios e Santa Genoveva

CLAUDIA CORBISIER

É escandaloso o que vem ocorrendo na Casa de Saúde (?) Santa Genoveva, no Rio de Janeiro, onde nossos velhos estão sendo mortos pela total falta de cuidados e pela ganância de pelo menos dois de seus donos, os doutores (?) Mansur e Espínola. Os dois são também donos de hospitais psiquiátricos, assim como Valentim Gentil Filho, que em artigo na Folha tentou descaracterizar os projetos de lei atualmente no Congresso, que propõem uma reforma na assistência psiquiátrica. Valentim não afirma, nem esclarece, mas insinua que as mudanças propostas não incluirão a função de internação, tradicionalmente cumprida pelos hospitais. Pois bem, vamos esclarecer mais uma vez: o projeto do deputado Paulo Delgado propõe a extinção progressiva dos manicômios e a sua substituição por outros tipos de atendimento. Não há intenção alguma de "abandonar os pacientes à própria sorte", como também deixa subentendido Valentim em seu artigo. A questão não é ser contra ou a favor da internação. Internar pode salvar uma vida, ou tirar todo e qualquer sentido da vida. Pode ter o sentido de acolher a crise e dar sentido a ela, de preferência junto com os familiares, amigos, co-participantes de um projeto terapêutico.
Um dos melhores exemplos de extinção progressiva do manicômio e substituição por outras formas de atendimento, é o projeto dos Núcleos de Atenção Psicosociais de Santos, em São Paulo. O hospital/asilo/manicômio, chamado Anchieta, foi fechado para novas internações. Ninguém foi jogado na rua. Os pacientes que ficaram continuaram sendo tratados. Os que saíram, ganharam a rua quando passaram a ter um tratamento diferente daquele a que estavam acostumados -abandono, camisa de força, medicação excessiva, eletrochoque. Este tipo de "tratamento" não dá trabalho. Por que?
Porque o que dá trabalho é olhar para a singularidade de cada um: diagnósticos semelhantes podem significar sofrimentos radicalmente diferentes. O que dá trabalho é fazer visitas domiciliares como é de rotina nas equipes dos NAPS, ter uma equipe de plantão para receber e acolher as criaturas em crise, ficar com elas à noite, durante o tempo que for necessário. O que dá trabalho é medicar em doses que tranquilizem, mas que não apaguem as subjetividades das pessoas.
Se o projeto Paulo Delgado não passar, ganham Mansur, Spínola e Valentim. E quem perde? Perdem os pacientes, perdem os familiares, perdem todos aqueles que teimam em acreditar que é o caminho da solidariedade, do humanamente mais útil, que se deve trilhar. Perdem todos aqueles que têm esperança num Brasil melhor, para todos.

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