São Paulo, quinta-feira, 20 de junho de 1996
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O presidente, o Proer e as pulgas

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Nesta semana, o presidente da República fez a sua mais extensa defesa do programa de assistência financeira a bancos.
Preocupado com a péssima repercussão da medida nas pesquisas de opinião, Fernando Henrique lançou mão de uma série de argumentos e não se furtou a entrar em tecnicalidades.
Alegou, entre outras coisas, que os recursos utilizados no Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro nacional) não são do Tesouro e que o seu desembolso não concorre com despesas como educação e saúde.
Disse que o Proer é financiado com dinheiro do próprio sistema bancário, isto é, com depósitos compulsórios mantidos pelos bancos no BC (Banco Central). E que as taxas de juro cobradas nos empréstimos do Proer são superiores ao custo do compulsório para o BC.
Insistiu na tese de que, se o BC não interviesse, ocorreria uma crise sistêmica, de consequências graves para a economia como um todo.
Aquele meu conhecido, "o cético perfeito e acabado", ficou matutando sobre as explicações presidenciais e me mandou ontem um fax cheio de pulgas que colheu atrás da orelha.
Vejamos algumas delas.
É verdade que os recursos do Proer não são do Tesouro, diz ele. Mas isso não significa que não sejam recursos públicos ou que o Proer e outros mecanismos de assistência a bancos não prejudiquem as finanças do governo federal, afetando, entre outras coisas, a sua capacidade de realizar gastos na área social.
O que aconteceu com o desembolso de recursos pelo Proer? Apareceu do lado do ativo do BC um novo componente (empréstimos a bancos no âmbito do Proer). Se o BC não fizesse mais nada, o resultado seria uma forte expansão da base monetária, no mesmo montante dos recursos desembolsados aos bancos.
O BC foi levado, então, a "enxugar" o efeito do Proer por meio da colocação de títulos federais em mercado, a taxas de juro elevadas e com prazos curtos.
Ora, as taxas de juro pagas pelo governo sobre esses títulos são superiores às do Proer. E mais importante: os mutuários do Proer não terão como saldar a dívida. Recorde-se, a propósito, que a comissão de inquérito do BC acaba de estimar em R$ 6,7 bilhões o desequilíbrio patrimonial do Banco Nacional, de longe o maior devedor do Proer.
Em outras palavras, o governo emitiu dívida cara para comprar ativos podres.
O que é que isso tem a ver com os compulsórios? Diretamente, nada.
Faria sentido dizer que o Proer está sendo financiado com recursos do compulsório se o BC tivesse contra-arrestado o efeito monetário do socorro a alguns bancos com aumento do percentual dos depósitos (ou ativos) bancários compulsoriamente recolhidos pelo conjunto do sistema ao BC.
Mas, se havia, de fato, risco de crise bancária sistêmica, essa medida teria sido contraproducente. Significaria apertar os bancos num momento em que eles estavam supostamente correndo grave risco.
O que vem ocorrendo, ao contrário, é um afrouxamento gradativo dos depósitos compulsórios desde o segundo semestre do ano passado.
Desse modo, sustentar que o Proer está sendo coberto com recursos relativamente baratos do compulsório é uma espécie de falácia contábil, politicamente motivada, que consiste em estabelecer uma ligação arbitrária entre um componente preexistente do passivo e um novo componente do ativo.
Mal comparando, escreve o meu conhecido, é como a história daquele sujeito abastado que, graças a sua influência, levantou um empréstimo bancário a juros favorecidos e fez diversas despesas. No ano seguinte, a nora dele teve prejuízos em alguns negócios e o marido pediu um empréstimo ao pai, com juros de pai para filho.
Quando a patroa descobriu a história e veio cobrar explicações, com a raiva ampliada pela tradicional rivalidade entre nora e sogra, o sujeito saiu-se com a seguinte: "Querida, não estamos perdendo nada; eu estou financiando o empréstimo para eles com o dinheiro daquele empréstimo barato que tomei no ano passado. E a taxa de juro que estou cobrando, embora moderada, é maior do que a que estou pagando."
A sogra não entende de finanças e tem horror a números, mas ficou com a pulga atrás da orelha.

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