São Paulo, sexta-feira, 21 de junho de 1996
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O interesse japonês

CELSO PINTO

O primeiro-ministro japonês, Ryutaro Hashimoto, deverá vir ao Brasil em agosto. O próprio imperador japonês poderá visitar o Brasil em maio do próximo ano.
Serão retribuições à visita do presidente Fernando Henrique Cardoso ao Japão, neste ano. Podem significar, também, uma oportunidade a mais para ampliar o interesse dos japoneses no país.
É neste contexto maior que deve ser entendida a briga do Japão com o Brasil em torno do regime automotivo. Depois da reunião de dois dias em Brasília, nesta semana, o chefe da missão japonesa, Hidehiro Konno, diretor de cooperação internacional do Ministério da Indústria e do Comércio, fez algumas declarações duras.
Reiterou, de viva voz, a ameaça que havia sido feita antes, por escrito, pelo governo japonês, de abrir uma reclamação formal contra o Brasil na Organização Mundial de Comércio (OMC), caso o regime não seja modificado. Deixou claro que a proposta compensatória apresentada pelo Brasil "não foi concreta, satisfatória e detalhada".
Apesar do tom incisivo, fontes próximas ao lado japonês estão convencidas que a perspectiva de uma solução negociada ainda é alta. Os japoneses avisaram que aguardariam até o início de julho antes de tomar qualquer iniciativa. Até lá, o Brasil fará consultas bilaterais com a Coréia e a União Européia.
O aceno brasileiro ao Japão, que terá que ser válido aos outros parceiros comerciais, é estabelecer cotas de importação para automóveis que pagariam uma alíquota inferior aos 70% oficiais. Seria equivalente à alíquota de 35% que as montadoras já instaladas no país poderão usar para importar automóveis, desde que haja uma contrapartida de exportações, dentro do regime automotivo.
A única montadora japonesa no país, hoje, é a Toyota, com uma operação limitada. A Honda anunciou sua intenção de entrar com um projeto modesto, envolvendo a produção de 25 mil veículos.
Nos dois casos, contudo, há sinais de que a ambição poderá crescer. A Honda estaria pensando em transformar seu pequeno projeto numa empreitada de mais fôlego, a ser completada até o final do século.
A Toyota, por sua vez, havia decidido investir numa fábrica na Argentina. Depois do regime automotivo, eles estariam repensando suas prioridades, segundo uma fonte bem informada. O presidente da Toyota, Shoitiro Toyoda, chegou a planejar uma viagem para o Brasil este ano, que acabou adiada.
Decisões de investimento no Japão, como se sabe, não são tomadas do dia para a noite. Nem estão ligadas a avaliações meramente conjunturais. Há sinais de fumaça se acumulando que indicam que o Brasil pode voltar a entrar na rota de investimentos japoneses, apesar da desconfiança que certos aspectos da política econômica ainda despertam.
Neste contexto, não é interesse dos japoneses criar embaraços maiores para o Brasil. De outro lado, contudo, o Japão tampouco está disposto a aceitar passivamente um regime automotivo que, a seu ver, fere as regras recém-assinadas pelo Brasil na OMC e discriminam países exportadores de automóveis.
O caso brasileiro tornou-se emblemático, como um primeiro teste prático da eficácia da OMC para disciplinar o comércio internacional. O Japão, na condição de responsável por cerca de um terço das exportações mundiais, tem tido longas e duras batalhas, tanto com os Estados Unidos quanto com a União Européia, na área automobilística. Aceitar um regime discriminatório do Brasil sem tentar usar a força das novas regras da OMC, poderia ser um precedente perigoso para seus interesses.
A discussão com o Japão, portanto, está colocada dentro destes limites. Se necessário, os japoneses irão à OMC, mas eles estão mais abertos a examinar alternativas que considerem interessantes do que deram a entender depois da primeira rodada de conversas com os brasileiros.
O Brasil, por sua vez, não quer mexer na essência do regime automotivo porque isso implicaria em rasgar contratos já assinados com várias montadoras. Sabe, contudo, que oferecer compensações é melhor do que submeter-se a um processo na OMC que, quase certamente, resultará em sua condenação.

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