São Paulo, sexta-feira, 21 de junho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Os ratos comeram

JANIO DE FREITAS

O governo tem a sorte de conviver com o Congresso mais subalterno e menos qualificado de quantos houve desde a redemocratização pós-Getúlio, o que lhe permite cometer na administração o que bem entenda, sem consequências, por exemplo, como uma CPI sobre o auxílio multibilionário a bancos e banqueiros. Mas o domínio político não o resguarda da permanência corrosiva dos temas envoltos em obscuridades ou suspeitas. São cadáveres insepultos.
O auxílio a bancos e banqueiros é mesmo um bom exemplo. O governo adotou, a começar do próprio presidente, a explicação de que os bilhões postos neste auxílio não socorrem banqueiros, servindo, isso sim, para proteger os que têm contas e aplicações nos bancos em dificuldades.
Foi nessa linha, sem que faltasse sequer a pitada de grosseria tão ao gosto do fernandismo, que o ministro Pedro Malan falou do programa criado para auxílio ao sistema financeiro, o Proer, em reunião anteontem na Câmara:
"É incorreto, um despropósito, a idéia de que o governo criou o Proer para socorrer banqueiros. Isso é discurso de palanque. É uma peça política que alguns querem usar".
O problema desse tipo de resposta é que outros alguns, em vez de peça política, usam fatos, dados, documentos às vezes originários do governo mesmo. Malan encontrou um algum desses ali mesmo, na pessoa do inesgotável deputado Milton Temer. Com números procedentes do Banco Central e uma pergunta que, no fundo, oferecia a Pedro Malan a melhor oportunidade para comprovar que o Proer nasceu e vive para proteger o dinheiro de parcelas da população.
Um documento do Banco Central indica que havia no Banco Econômico, ao ser decretada a intervenção, 334.502 detentores de contas. O Banco Nacional recebeu o número redondo, com todo o jeito de chute, de l.800.000 depositantes. Aí estava o total de cidadãos a serem protegidos pelo Proer. O montante da proteção não poderia, é lógico, exceder o total dos saldos nas contas existentes em cada um dos bancos. Sempre segundo documento do Banco Central:
- no Econômico, saldos totais de R$ 2 bi 130 milhões 700 mil.
- no Nacional, saldos totais de R$ 2 bi 805 milhões.
Com outros números de igual procedência, o deputado Milton Temer propôs a questão ao mais indicado para esclarecê-la: "Se o Proer é para proteger os depositantes, e não para socorrer banqueiros, como se explica que o Banco Central tenha posto no Econômico, não os 2 bi 130 dos depositantes, mas 6 bi; e no Nacional, não os 2 bi e 800 dos depositantes, mas quase 7 bi? Por que a diferença tão grande entre o máximo que poderia injetar, para 'proteger' os depositantes, o que injetou de fato?"
Como ministro ao qual o BC se subordina; como co-responsável pela criação do Proer e, ainda, como autoridade maior, na área econômica, por tudo o que se refere às relações entre governo e sistema financeiro, Pedro Malan deu sua resposta para a esperada explicação da diferença multibilionária:
"Não sei."
O ministro não sabe como e por que uns R$ 8 bilhões saíram dos cofres sob sua responsabilidade e foram destinados a bancos e banqueiros. E olhe que esta conta faz uma suposição camarada: a de que Econômico e Nacional não tivessem um centavo do dinheiro de depositantes, obrigando o BC a aplicar R$ 4,93 bi na devolução dos saldos.
O canal de cifrões que liga os cofres mal administrados pelo governo aos cofres mal administrados por banqueiros, ainda que não haja a CPI apropriada, vão continuar corroendo o governo e vários dos seus ocupantes, por mais que tentem fazer em contrário. Como na velha brincadeira do gato e do rato, quem pergunte cadê o dinheiro que estava aqui, disfarçado de proteção, tem a resposta: os ratos comeram. Mas não foram os ratos que comeram o episódio no noticiário da reunião.

Texto Anterior: 'Viramos bode expiatório'
Próximo Texto: Exame revela chacina de funcionários de fazenda
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.