São Paulo, domingo, 23 de junho de 1996
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Relatos reforçam suspeita

LUCAS FIGUEIREDO
DO ENVIADO ESPECIAL

A leitura dos depoimentos de testemunhas do massacre de Eldorado do Carajás (PA) reforça a suspeita de que alguns sem-terra podem ter sido deliberadamente mortos por policiais militares. Os depoimentos constam dos inquéritos aos quais a Folha teve acesso.
Um exemplo: Pedro Alípio, 44, motorista do ônibus que transportou policiais até a rodovia PA-150, o local da operação, disse que viu "quando um caminhão pequeno (...) fez o recolhimento dos corpos e seguiu em direção a Marabá".
Sua declaração se contrapõe à versão da PM, que diz ter levado os corpos e feridos direto a outro município, chamado Curionópolis, em sentido oposto ao de Marabá.
Alípio disse também a promotores ter deixado o local do massacre às 19h40. Cabia-lhe transportar parte do destacamento de PMs que participou da operação, justamente o grupo de Marabá. No caminho, segundo seu depoimento, "aproximou-se desse caminhão". Ultrapassou-o e depois não acompanhou o rumo que ele tomou.
O caminhão descrito por Alípio aparece em outro depoimento. O sem-terra Inácio Pereira, 56, contou que se fingiu de morto e foi jogado por policiais "em cima de um caminhão, onde estavam sendo colocados os mortos".
Pereira afirmou que, por cima de seu pescoço, estava a cabeça de um homem, que a PM também julgava morto. "Ele começou a gemer e falar que o povo dele morava no Pit Dog (lanchonete localizada no centro de Parauapebas, município vizinho de Curionópolis)", disse.
No depoimento, o sem-terra disse que "pôde perceber quando as pessoas que julga serem policiais levantaram o plástico que haviam jogado sobre os corpos, iluminaram o local com uma lanterna, e um deles deu ordem para atirar". Pereira disse ter ouvido dois tiros.
Um terceiro depoimento faz aumentar a suspeita de assassinato. José Venâncio Pinto, 32, que trabalha no hospital de Curionópolis, para onde os corpos foram, finalmente, levados, contou que às 21h30 do dia 17 de abril, data do massacre, foi chamado por quatro PMs para abrir o necrotério.
"Depois de aberto, os policiais manobraram uma camionete D-20 e deixaram 19 pessoas no necrotério, sendo 18 mortos e uma doente no meio". O "doente" era Inácio Pereira, que acabou sobrevivendo para prestar depoimento. A 19ª vítima que fecha a contabilidade do massacre só foi levada ao hospital à 1h.

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