São Paulo, domingo, 23 de junho de 1996
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Gay não 'sai do armário' para ir à Câmara

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Nem mesmo a possibilidade de obter direitos civis hoje só concedidos a casais heterossexuais, como o direito à herança do parceiro, está sendo capaz de motivar conhecidos homossexuais brasileiros a "saírem do armário".
A expressão "sair do armário", emprestada do vocabulário gay norte-americano, se refere aos homossexuais que tornam pública a sua orientação sexual.
Uma comissão especial da Câmara dos Deputados começou a debater, na semana passada, o projeto de lei nº 1.151, da deputada Marta Suplicy (PT-SP), que "disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo", o chamado "casamento gay" (veja texto e quadro ao lado).
Até setembro, a comissão ouvirá depoimentos de pessoas que são contra e a favor do projeto.
Marta Suplicy gostaria que pessoas famosas fossem ao Congresso falar abertamente de sua orientação sexual, mas está tendo dificuldades em convencer os seus alvos.
Marina diz não
Artistas globais e cantores famosos já foram convidados, mas não responderam positivamente.
A cantora Marina, em artigo publicado hoje no caderno "Mais!", da Folha, conta que foi convidada pela deputada, mas não aceitou: "Não irei, por uma única razão: não tenho vocação para mártir".
Além de notórios militantes gays, como Luiz Mott (Grupo Gay da Bahia) e Toni Reis (Grupo Dignidade, de Curitiba), até agora apenas uma personalidade pública concordou em dar um depoimento à comissão especial da Câmara.
Mas mesmo este depoimento, marcado para agosto, está cercado de problemas. Com medo de perder um negócio de US$ 4 milhões que está fechando, a pessoa que se comprometeu a falar na Câmara pediu à Folha que seu nome não fosse revelado no momento.
"É difícil mesmo", diz Marta Suplicy. "Sei que essa recusa, de certa forma, enfraquece o projeto, mas não posso exigir que os homossexuais apareçam publicamente. Quando o projeto for aprovado, eles vão se sentir mais confiantes de sair do armário", diz.
Outros problemas
Os militantes também sentem falta de apoio de gays famosos.
Toni Reis, que é candidato a vereador em Curitiba, conta que convidou dois atores e dois cantores a participarem de sua campanha, mas os quatro se recusaram.
Na semana passada, a produção do programa "Brasil Legal", da Rede Globo, pediu a Reis que indicasse um casal de homossexuais de Curitiba para participar da gravação de uma cena. "Tentei 15 casais e não consegui nenhum", conta.
Luiz Mott não se espanta com a falta de adesão dos homossexuais ao projeto de Marta Suplicy.
Em abril de 94, o plano de saúde da Associação dos Professores Universitários da Bahia estendeu ao companheiro de Mott os mesmos benefícios dados aos cônjuges dos professores heterossexuais.
Desde então, segundo Mott, nenhum outro professor homossexual requereu o mesmo benefício. "Isso reflete uma grande alienação. A auto-repressão é tão grande que eles têm medo de aparecer até em ambientes já reconhecidos."

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