São Paulo, segunda-feira, 24 de junho de 1996
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Preconceito divide a Holanda na Eurocopa

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O preconceito é um bichinho insidioso e dissimulado que se instala na alma humana e fica ali à espreita para dar seu bote na primeira oportunidade. Ou talvez seja uma falha genética da espécie, um lapso, quem sabe um ardil cruel criado juntamente com o princípio mágico de cada um de nós, tão semelhantes e tão diferentes.
O fato é que ele está, como sempre esteve, presente na história dos homens, semeando discórdias entre gente de idéias discordantes, de crenças várias, tribos vizinhas, pais e filhos. Então, quem estiver em minoria, por autodefesa, cria seus códigos de expressão -linguística, gestual-, o que acaba por estimular as diferenças que engordam esse bichinho peçonhento.
Como a história da galinha e do ovo, ninguém sabe explicar sua origem. Por exemplo, o caso da Holanda repartida, em meio da Eurocopa, entre brancos e negros. Brancos, como o capitão Blind e o médio Ronald de Boer, sentiam-se discriminados pelos negros, que, na concentração, preferiam comunicar-se entre si em surinamês. Já os negros asseguram que tudo não passa do atávico racismo, que, depois de décadas de aparente erradicação, ressurge na Europa unificada por lei e dividida pela imigração crescente de estrangeiros de todas as partes do mundo.
O Ajax, com seus negros maravilhosos -de cidadania holandesa ou não, como os nigerianos Finidi e Kanu-, encantou o mundo nos últimos anos, e levantou quatro títulos domésticos de enfiada. Aliás, o futebol holandês já havia se destacado há mais de uma década pela presença dos negros geniais Rijkaard e Gullit, embora aos racistas brancos reste o argumento de que a Holanda histórica, a do paroxismo dos anos 70, era branca como Cruyff, Kroll, Neskeens e cia.
O fato é que nem a loira Holanda de 74 e 78, tampouco a mestiça Holanda dos anos 80 e 90, ganhou nenhuma Copa do Mundo. Isso porque, tanto nos Mundiais quanto nas Eurocopas (com exceção de 74), esteve dividida pela vaidade dos seus principais jogadores e pela incúria dos treinadores. Entre elas, ter insistido com a inútil dupla de atacantes Bergkamp (apesar do renome, nunca vi, a não ser esporadicamente jogar bem) e Jordi Cruyff (apesar da ilustre linhagem, nem esporadicamente), mesmo tendo a seu dispor a dupla de negros lépidos e incisivos Taument e Kluivert. Assim como não armar seu meio-campo com a peça montada, testada e aprovada com louvor pelo Ajax - Ron de Boer, Davids e Seedorf.
Por falar em Seedorf, sorte sua estar agora no Real Madrid, na distante Espanha, quase às portas da África. Pois fico imaginando qual a reação dos racistas brancos da mestiça Holanda neste momento em que vivas ainda estão as imagens de Seedorf perdendo um gol feito nos 90 minutos de jogo contra a França e, nos pênaltis, desperdiçando a chance de classificação de seu time.
*
A Inglaterra levou um sufoco da Espanha e se classificou nos pênaltis. A França, sem ser sufocada nem sufocar, também. A Alemanha, apenas com a força da camisa, seguiu adiante. E a República Tcheca colheu no terreiro do tico-tico português o fubá da classificação. Nenhuma luz à vista.

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