São Paulo, terça-feira, 25 de junho de 1996
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O tamanho do ajuste fiscal

CELSO PINTO

O cenário econômico projetado pelo Banco Central até 1998, descrito domingo nesta coluna, prevê o uso agressivo da âncora cambial para garantir uma inflação muito baixa, mas ganhos apenas moderados na política fiscal. Vale a pena olhar a questão fiscal em mais detalhes.
Não é por acaso que a área econômica, há algum tempo, tem insistido que, com inflação baixa, o importante é olhar o déficit do setor público em termos nominais. Em primeiro lugar, porque este é o dado usado em todo o mundo. Mas também porque é, obviamente, o dado mais sensível à variação inflacionária.
Como a estratégia embutida nas projeções é chegar rapidamente à inflação mais baixa possível, também o déficit nominal vai cair automaticamente junto com a inflação. A projeção do BC é que a inflação, medida pelo IGP-DI, fique em 11,6% este ano, 7,4% em 97 e apenas 3,6% em 98, o ano da eleição (ou reeleição) presidencial.
Este fato, mais os ganhos com a queda nas taxas de juros, explicam por que a projeção para o déficit nominal é decrescente. Ele foi de 7,4% do PIB no ano passado, iria para 4,9% este ano, 4,6% em 97 e 3,3% em 98. A Comunidade Européia usa um teto de 3% de déficit nominal como pré-requisito para os países-membros aderirem à moeda comum. Portanto, a projeção de 3,3% para 98 pode não ser brilhante, mas é defensável.
Embutido no déficit nominal está o operacional (que desconta a inflação) e o primário (que desconta também os gastos com juros). Descontado o efeito inflacionário, a projeção é menos otimista. O déficit operacional cairia de 5% do PIB no ano passado para 2,2% este ano (o que parece muito otimista), mas permaneceria em 2,3% em 97 e 2,2% em 98.
O esforço fiscal aparece de forma mais clara no resultado primário, que mede a diferença entre receitas e despesas, excluído os juros -e aí as projeções decepcionam. No ano passado, houve superávit primário de 0,37% do PIB. Ele subiria a 1,5% este ano, mas cairia para 1,1% em 97 e 0,8% em 98.
O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, acha esta projeção muito pessimista. Dois fatores ajudarão o próximo ano. O primeiro é o "carry-over", a herança dos aumentos para os funcionários públicos e a Previdência, maior no ano passado do que neste ano. Como o cálculo é de média sobre média, e o aumento foi no meio do ano, isso gera um adicional.
Ele estima o adicional, no caso do reajuste do funcionalismo, em 12%, o que, sobre uma folha de pagamento de R$ 37 bilhões, daria mais de R$ 4 bilhões. No caso da Previdência, o "carry-over" seria de 15% sobre uma folha de R$ 38 bilhões, o que daria quase R$ 6 bilhões.
Se os dois reajustes, no próximo ano, forem parecidos com os deste ano, não haveria nenhum "carry-over" e haveria uma economia superior a R$ 10 bilhões. Outro ganho em 97 é que será paga neste ano a última parcela do reajuste de 147% para os aposentados, concedida pelo Supremo em três etapas. É uma despesa de R$ 1,8 bilhão que não se repetirá.
Como a projeção do BC, usando dados da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, é de um superávit primário de R$ 9,2 bilhões no próximo ano (ou 1,1% do PIB), se Velloso estiver correto, ele poderá ser bem maior. Com um senão: se o imposto do cheque não sair, é provável um aumento nos gastos com a saúde.
O estoque da dívida líquida do setor público cresceria de 32,2% do PIB no ano passado para 36,9% em 98, ou 4,7% do PIB. Não é tanto, considerando todos os "esqueletos" fiscais que o governo está engolindo, do capital do BB ao FCVS.
Está claro, contudo, que não se imagina usar a política fiscal como âncora, e sim a cambial, com o câmbio variando bem abaixo da inflação (IGP), e um acúmulo gigantesco de reservas neste ano.
A atração aos dólares será mantida, apesar da queda do juro interno, em função da pequena correção cambial. Usando as projeções do BC, um banco estima que aplicações internas em dólares ainda estarão rendendo 18% no final deste ano, mais do que o mercado imaginava. Ajuda a explicar por que o BC prevê que as reservas fecharão o ano em US$ 69 bilhões.

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