São Paulo, sexta-feira, 28 de junho de 1996
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"Xica da Silva" constrói discurso sobre o poder

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

A história do Brasil bem que merecia mais "Xicas da Silva". Mas "Xica da Silva" é um fenômeno único na história do cinema brasileiro.
Viajou o mundo encantando com suas imagens do barroco mineiro, revelou os contrastes chocantes da nossa origem multirracial, fez ler com sátira a decadência do período colonial e, principal virtude, resistiu ao tempo sem envelhecer com o seu discurso sobre poder e liberdade.
Com uma produção modesta, mas cercada de muitos talentos, sobretudo a participação especial de Rodolfo Arena, "Xica da Silva" guarda algumas das imagens mais felizes do nosso cinema.
Por exemplo, aqueles poucos segundos mágicos de Zezé Motta, vibrando como a escrava que acaba de ganhar a sua carta de alforria, de branco e amarelo, cercada por um pequeno grupo de escravos negros, em direção à igreja racista que não a deixará assistir missa.
Jorge Ben
A sua expressão que passa da vibração carnavalesca à humilhação, sobre a música tema cantada pelo então Jorge Ben, têm um poder de sedução que não empalidece. 20 anos depois o impacto continua o mesmo.
Com fotografia deslumbrante de José Medeiros, "Xica da Silva" ainda é um dos nossos mais belos filmes coloridos. A arquitetura barroca de Diamantina e o interior espaçoso dos seus casarões ajudam muito.
A escrava vivendo pateticamente seus momentos de liberdade e poder sob a proteção de um alto funcionário da corte (Walmor Chagas), ridicularizando a moral e os trajes da corte portuguesa que ela adota também. Os contrastes se sucedem.
Xica da Silva evolui em alegorias. O filme de Diegues como que dá sentido à profusão de imagens de um desfile de carnaval, com figurinos sempre deslumbrantes de Luiz Carlos Ripper. Zezé Motta simboliza a revolução de todas estas imagens memoráveis.
Como a ex-escrava que subverte os valores da corte, como a melhor modelo para ridicularizar os figurinos coloniais, pelo reverso de um discurso político entre as forças da coroa portuguesa e os primeiros sentimentos pela independência em terras mineiras.
Além de nunca ter havido no cinema brasileiro outra personagem que valorizasse tanto a beleza negra.
Com um cinema visto e representado assim, com tanta alegria e desenvoltura, o único sentimento que fica datado com a revisão de "Xica da Silva", vinte anos depois, é o de que já não se fazem mais platéias como antigamente. Como a do tempo em que "Xica da Silva", entre as tantas das suas leituras subliminares, foi uma expressão de resistência ao regime de exceção no Brasil.

Filme: Xica da Silva
Produção: Brasil, 1994
Direção: Cacá Diegues
Com: Zezé Motta. José Wilker, Walmor Chagas
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco de Cinema 4

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