São Paulo, sábado, 29 de junho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Indústria burla parada da "Billboard"

MARCEL PLASSE
ESPECIAL PARA A FOLHA

A parada americana, compilada pela revista "Billboard", não é mais a mesma. Onde já se viu tantos discos estrearem no primeiro lugar? Em dois meses, foram três estréias no topo: Rage Against the Machine, Hootie and the Blowfish e Metallica.
São cada vez menos os artistas que escalam as paradas lentamente e que se mantêm com vendas estáveis. Os casos mais recentes são Alanis Morissette e Fugees, que chegaram no nº 1 depois de meses de vendas, mas permaneceram pouco no alto, perdendo o posto para álbuns estreantes.
Tão estranho quanto as estréias campeãs de venda é o fato de nenhum disco conseguir se manter no nº 1 por mais de uma semana. Não só perdem o lugar, como caem muitas posições em um período relativamente curto.
Em oito semanas, Rage caiu do primeiro lugar para fora do Top 10. Em sete, Hootie ficou pendurado no décimo lugar. Até Soundgarden, que estreou em segundo, há três semanas, está agora em oitavo.
Como o mapeamento da "Billboard" influencia a mídia, os primeiros lugares, mais do que prestígio, significam maior atenção da imprensa e execução nas rádios.
Que a parada da "Billboard" foi, durante muitos anos, manipulada, não há dúvidas. Os próprios diretores da publicação colocaram em cheque seu levantamento até os anos 80, ao instalar um sistema computadorizado (chamado SoundScan) em 1991, com o argumento de que, assim, evitariam "distorções".
O SoundScan, que computa a venda direta nas lojas (em vez do levantamento por questionário, sujeito a lobbies, feito com lojistas de grandes redes), mostrou que o gosto da América era bem diferente do registrado pela "Billboard". Foi uma revolução, fazendo o rock ressurgir com Nirvana; o rap, com Snoop Doggy Dogg; e o country, com Garth Brooks.
Mas a indústria do disco já conseguiu burlar o novo sistema.
O caso mais gritante foi o de Michael Jackson. O álbum "HIStory" deu um prejuízo absurdo. Mas não de acordo com a "Billboard", que atesta a venda de cinco milhões de cópias do disco. "HIStory", por sinal, estreou no primeiro lugar da parada, assim como seus dois primeiros singles, "Scream" e "You Are Not Alone".
Os números reais são bem diferentes. Na verdade, as lojas compraram 2,5 milhões de cópias de "HIStory". Como o álbum é duplo, sua gravadora (Epic) logrou o milagre da multiplicação por dois. Além disso, a matemática da indústria levou em conta a pré-venda. Ou seja, a encomenda das lojas (os 2,5 milhões), não a venda real. Assim, o álbum já saiu da fábrica, em junho do ano passado, com a fábula dos "cinco milhões" de discos vendidos.
Mas "HIStory" não ganhou uma segunda prensagem. A venda ficou em torno de 2 milhões de discos. E isto porque o preço de venda foi promocional -US$ 24, contra US$ 33, que é o preço normal de um CD duplo nos EUA.
Só em promoção e publicidade, a gravadora gastou em torno de US$ 30 milhões. A US$ 24, o disco teria que vender cinco milhões de cópias -de verdade- para cobrir os gastos. Nem chegou perto.
Há outros truques para manipular a parada, e Michael também se valeu deles, assim como Mariah Carey. No ano passado, o single de "You Are Not Alone" vendeu 120 mil cópias em sua semana de estréia, colocando a música no primeiro lugar. Quatro semanas depois, foi a vez do single "Fantasy", de Mariah Carey, estrear em primeiro, com a surpreendente marca de 229 mil discos vendidos.
O segredo do sucesso? Os singles foram vendidos, como fitas cassete, a míseros US$ 0,49 (nos EUA, o preço médio de uma fita é US$ 3,50). A mesma tática foi usada para colocar "Exhale (Shoop Shoop)", de Whitney Houston, e "One Sweet Day", novamente de Carey, no nº 1.
Agora, praticamente todo o single de artista prioritário das grandes gravadoras usa o truque. Preços promocionais, cálculo que inclui pré-venda e outros artifícios. Está cada vez mais difícil confiar no Top 10.

Texto Anterior: Artistas lançam livro pela paz
Próximo Texto: "Não há manipulação"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.