São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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Feridas abertas

MARCELO LEITE

Se não fosse por uma imprensa livre, o assassinato mais importante da década em curso ainda estaria entregue à incompetência proverbial da polícia brasileira. Muitos leitores acreditam, no entanto, que o mandato questionador dos jornalistas não lhes dá o direito de sabotar a privacidade de vítimas e familiares, publicando fotos chocantes como esta de cima.
Aqui sou obrigado a discordar desses leitores. Seria bom se jornais brasileiros de prestígio tivessem uma regra como a de congêneres norte-americanos, proibindo a edição de fotos de cadáveres (o "Novo Manual da Redação" é omisso a este respeito). Mas claro que há exceções, e o assassinato de PC Farias é uma delas.
Depois de quatro dias de incertezas e apreensão pública, essa imagem deprimente publicada na capa da Folha de quinta-feira retrata muito mais os abusos da polícia alagoana do que a intimidade de PC e Suzana. Ela mostra que metade do que foi dito por peritos e membros do clã Farias era chute.
O revólver, por exemplo, não estava entre as pernas de Suzana. Ganha força, assim, a hipótese de que a moça também tenha sido assassinada. É ao público, não à polícia por ele sustentada, que pertence a informação da foto.
Autópsia
O mesmo não se pode dizer de outra imagem, a do corpo de PC Farias sobre uma mesa de autópsia. Ela foi tomada por uma fresta no Instituto Médico Legal de Maceió (AL) e publicada na Primeira de segunda-feira, mas só na edição SP/DF. Até a manhã de quinta, seis leitores haviam apresentado queixa contra ela.
É difícil defender a foto. A imagem é pouco nítida, mas permite perceber que o corpo de PC estava nu e que um funcionário manipulava um instrumento perto de sua cabeça. Não tem informação relevante para o caso.
Provavelmente muitos jornalistas dirão que fiquei maluco e que o furo teria de sair de qualquer jeito. Pois que digam. Se um ombudsman não partir em defesa de princípios, ninguém mais o fará. Não há limites dados e fixos entre o que é moral e imoral, ético ou antiético, mas isso não suprime o ônus de traçá-los, caso a caso.
A Folha sempre foi um jornal que tenta puxar essa faixa de variação mais para perto de si (publicar tudo). Por outro lado, é o único grande diário que aceita discutir publicamente suas decisões editoriais. Para alguns, pode parecer pouco. Quem conhece as redações brasileiras sabe que não é.
E o Rossi?
É muito questionável o tratamento que a Folha e outros jornais paulistas estão dando para o candidato a prefeito Francisco Rossi. Ele está entre os três primeiros nas pesquisas de intenção de voto, mas é ignorado pelos editores.
Pode até ser que sua campanha seja incompetente para criar os chamados "fatos de mídia" e esteja fadada ao fracasso, mas não cabe à imprensa apostar nessa hipótese. Rossi, que nunca reclamou ao ombudsman, só encontra algum espaço para responder questões de política urbana que "O Estado de S.Paulo" submete aos principais candidatos (aliás, uma boa iniciativa).

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