São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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O patrono lembrado

JANIO DE FREITAS

Indireta embora, e fruto de coincidência em parte involuntária, pelo menos uma homenagem está sendo prestada a Paulo César Farias. Sem solenidade e sem discurso, incompatíveis com quem tanto preferia a ação discreta. Tal homenagem só poderia consumar-se, e assim se dá, no recesso turvo de uma concorrência pública, envolvendo dinheiro alto e, naturalmente, comprometida por um resultado questionável.
A homenagem desenrola-se, porém, onde menos se suporia que acontecesse: no governo Mário Covas. Sob as aparências de licitação entre empresas privadas para exploração, por 20 anos, das rodovias Anhangera e Bandeirantes.
Estabeleceram as regras da concorrência que "será considerada vencedora a proposta financeira que ofertar o maior valor para a parcela fixa do preço referido no item 11.1." Isto quer dizer, simplesmente, que o conjunto Anhangera-Bandeirantes seria entregue a quem oferecesse ao Estado de São Paulo o maior montante, invariável em caso de lucro ou prejuízo da concessionária. Maior oferta, ou "proposta financeira", levava, e pronto.
Entre as sete concorrentes, a Primav Imóveis, do grupo C.R. Almeida, fez a maior oferta: R$ 1 bilhão 887 milhões, fixos e com pagamento garantido por seguro. A Servix Engenharia fez a segunda melhor oferta: R$ 1 bilhão 851 milhões. Pois é, apesar de oferecer ao Estado o maior montante e de ser este o único critério fixado para determinar o vencedor, a Primav perdeu para a Servix.
É hora, pois, de lembrar a identidade da felizarda. Trata-se da empresa majoritária em um consórcio, integrado também pela agônica Mendes Jr., feito para disputar a concorrência em questão. Embora majoritária e dando nome ao consórcio, a Servix é apenas uma empresa secundária no grupo Rural-Tratex. Nomes já familiares aos nossos ouvidos, estes dois. Desde a CPI do esquema Collor-PC. Tratex é uma das duas empreiteiras mais presentes nas atividades do esquema apuradas pela CPI e investigadas pela Polícia Federal. E Rural, lembra-se?, foi o banco central das atividades fantasmagóricas do esquema.
Não foi para qualquer um, então, que os licitantes do governo paulista deram a vitória, a pretexto de que a Primav fugira ao edital nos seus cálculos de receita e despesa. Só que os cálculos não eram critério de julgamento da concorrência e, certos ou não, o Estado receberia o mesmo montante -fixo, como reza o edital.
Errou, dançou -vá lá. Mas depende de quem. O relatório final da comissão de licitação não faz cerimônia em apontar erro da Servix, a sua predileta. E, este sim, erro grave por si mesmo e em relação ao edital: "A licitante não previu em item específico os valores referentes aos custos com seguros e garantias", ou seja, com os meios que asseguram ao Estado o recebimento do que lhe cabe. Como a comissão encontrou em outro envelope um total de valores acima do que ali devia figurar, decidiu "presumir que tais valores (de seguros e garantias) estão inclusos nesse item" mais alto do que devia.
Os encarregados de uma concorrência que envolve quase R$ 2 bilhões, a serem recebidos e não pagos pelo Estado, decidem-na pelo que queiram "presumir". E com isso, além de outros feitos, diminuem em R$ 36 milhões o que o governador Mário Covas receberia para tapar alguns buracos do seu cofre.
PC Farias não ficou sem um preito justo à sua memória.

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