São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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Tese tenta derrubar mito da colonização

RONI LIMA
DA SUCURSAL DO RIO

O mito popular de que Portugal só mandou gente de baixa qualificação para colonizar o Brasil, como desocupados e criminosos, perde sua força com o resultado da pesquisa realizada em Lisboa pelo arquiteto Nireu Cavalcanti, 51.
Para defender este ano tese de doutorado em história, ele obteve o registro dos passaportes das 954 pessoas que, de 1769 a 1779, viajaram do porto do Rio para Portugal. Destas, dez não teriam qualificação profissional.
"O discurso que sempre ouvi é o de que Portugal só mandou para cá ladrões e degredados. Isso não é verdade", diz Cavalcanti, que defenderá tese na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Em sua pesquisa, Cavalcanti constatou a saída do Rio de militares, sacerdotes, servidores públicos e profissionais diversos, como alfaiates, armeiros, carpinteiros, sapateiros, pintores e ourives.
Como sua tese "Rompimento de Muralhas -a cidade do Rio de Janeiro (1750-1810)" é sobre a formação urbana do Rio, o estudo se restringiu aos colonos que saíram do porto da cidade em dez anos.
Havia o registro de 244 moradores do Rio que regressavam para Portugal. A maioria dos 954 viajantes, porém, vinha de outras capitanias, como Minas Gerais (441). De São Paulo, foram registrados 14 colonos regressando à corte.
Historiadores dizem que os dados estão de acordo com a moderna historiografia que, inaugurada nos anos 30, com trabalhos como os de Sérgio Buarque de Holanda, passaram a rever o preconceito em torno do colonizador.
A escritora e professora de história moderna da Universidade de Brasília Janaína Amado diz que, na primeira fase da colonização, nos séculos 16 e 17, houve o envio de criminosos comuns para o Brasil.
Mas, segundo ela, também foram enviadas pessoas de bom nível intelectual, como dissidentes políticos e mulheres condenadas por bruxaria por tribunais da Inquisição da Igreja Católica. Janaína discorda do senso comum, que relaciona problemas econômicos e sociais do Brasil com o colonizador.
Para ela, essa é uma visão "um pouco escapista", de quem não quer assumir culpas pelo presente.
Autora do livro "A Utopia do Poderoso Império" (editora Sette Letras), a professora de história da UFRJ Maria de Lourdes Viana Lyra, 54, diz que a pesquisa dos passaportes mostra a importância desse tipo de documentação.

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