São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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Sistema político suíço vive sua pior crise do século 20

IGOR GIELOW
EM GENEBRA

O sistema eleitoral suíço, considerado um dos mais perfeitos e democráticos do mundo, vive uma crise de identidade inédita.
No último mês, políticos de expressão nacional foram às televisões e jornais pedir maior participação do eleitorado.
O motivo: o comparecimento cada vez menor aos plebiscitos adotados para praticamente tudo o que envolve o interesse público.
"Parece absurdo, mas na África pessoas se matam para ter o direito que vocês andam desprezando", disse à época Ruth Dreifuss, segunda mulher a ser eleita para o restrito Conselho Nacional suíço, que reúne 200 representantes dos 20 cantões e 6 subcantões do país.
O cantão é a principal unidade administrativa da Confederação Helvética, nome oficial da Suíça, e tem autonomia próxima à de um país. Existente desde 1848, a democracia direta suíça é considerada a melhor do mundo. Vota-se praticamente tudo: há três semanas, houve votações de nível federal e cantonal. O resultado foi uma cédula com até dez perguntas específicas, em alguns cantões.
Paradoxo
Aí reside o paradoxo. "Parece que o povo está meio cansado, não quer mais votar sobre a hora da coleta de lixo. Por isso a média de comparecimento raramente ultrapassa os 15% ou 20%", afirma o pesquisador Martin Boulas.
Há três semanas, por exemplo, a votação em Neuchâtel incluía, além de temas como política federal de agricultura, a construção de um museu arqueológico.
Foi aprovada, numa eleição que tirou 23% dos eleitores do cantão de casa -ou não, uma vez que é possível votar por carta, dois dias antes do pleito.
Com cerca de 80% dos 6,99 milhões de habitantes aptos a votar, a Suíça não vê consolidada a orientação política do eleitorado.
Segundo pesquisa feita em 1994 pelo cientista político Hanspeter Kriese, apenas 25% dos eleitores seguem orientação partidária.
Outro quarto do eleitorado segue partidos, mas não suas orientações específicas, e a metade vota por conta própria.
"Não vejo nada disso como negativo, ao contrário", diz Alexander Trechsel, cientista político do Centro de Estudos e Documentação da Democracia Direta da Universidade de Genebra. "Creio que, se apenas 10% querem votar sobre um problema, tudo bem. Desde que 100% dos eleitores tenham a oportunidade de ir às urnas".
Ele reconhece que a situação é nova. "As críticas estão crescendo muito ultimamente. Mas ainda assim creio que não afeta a idéia do modelo", diz o alemão Trechsel.
Para o cientista político, que acaba de escrever o capítulo sobre a Suíça no livro "The Referendum Experience in Europe" ("A Experiência dos Referendos na Europa"), de fato há um problema com a alta frequência de votações.
A tendência é aumentar: dos 430 referendos federais realizados de 1848 para cá, metade ocorreu nas últimas duas décadas.
"Eu não sei, às vezes parece que os políticos não querem decidir nada", afirma o pesquisador Boulas, que mora em Genebra há dez anos e não apoiou a construção de uma ponte sobre o grande lago da cidade há três semanas.
O referendo mostrou a dificuldade de manter o eleitorado fiel às urnas: por envolver uma questão vital para cidade, teve a presença recorde de 60%.
Em Valais, cantão no qual se votaram as mesmas questões federais, nada local estava em jogo. O comparecimento foi de 13,8%.

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