São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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Aposentadoria 'vale' 15 garrafas de vodca

JAIME SPITZCOVSKY
DO ENVIADO ESPECIAL

Tatiana Lokotkova, 60, pode comprar 15 garrafas de vodca Moskovskaia com a sua aposentadoria de 150 mil rublos (US$ 30).
Para o sonho de comprar um carro Lada, ela teria de acumular nada menos do que 430 rendimentos mensais, ou seja, Lokotkova levaria mais de 35 anos.
A situação de Tatiana se alivia com o dinheiro que o marido, Igor, 61, traz para casa com seu trabalho como motorista de táxi. São 700 mil rublos mensais (US$ 140), sete vezes o salário mínimo.
"Gasto a maior parte do nosso dinheiro com aluguel", afirma ela, que trabalhou como funcionária de uma central de aquecimento de água em Moscou. "Pagamos pelo apartamento de um quarto, que fica no subúrbio, 380 mil rublos (o equivalente a US$ 76)".
Tatiana continua a descrever o orçamento doméstico: "Depois do aluguel, aparecem os gastos com alimentos e roupas. Se sobra alguma coisa, compro presentinhos para os netos".
Eleitora de Guennadi Ziuganov, o candidato neocomunista, Tatiana se lembra dos tempos soviéticos. "Durante décadas, uma passagem de metrô custou copeques (centavos de rublos). Hoje, se fala em milhares. O meu salário foi, durante anos, 40 rublos e dava para comprar muito mais do que com os 150 mil rublos da aposentadoria."
Esmola
Quando os comunistas reinavam no Kremlin, Marina Ielbaeva trabalhava como vendedora numa loja estatal de alimentos.
Era uma posição estratégica, que garantia acesso a produtos raros em tempos de escassez.
"Tinha um salário de 200 rublos e vivia muito bem", afirma. "Mas é verdade que havia muita fila e cartões de racionamento".
Hoje, Marina, 62, pede esmolas na estação de metrô Kievskaia. "Sou viúva e dependo de uma aposentadoria de apenas 200 mil rublos. Assim não dá para viver."
As esmolas costumam acrescentar 50 mil rublos mensais. Como aposentada, Marina aproveita refeições gratuitas oferecidas em postos de assistência social do governo, viaja de graça em transportes públicos e em junho, mês de férias, teve direito a passagem gratuita na rede ferroviária russa.
"Mas essa ajuda ainda é insuficiente, acho que merecia um final de vida com mais dignidade", diz.
Sobre política, não quer falar. "Fomos educados desse jeito, a não conversar com estranhos sobre certos assuntos", afirma Marina se referindo ao medo da repressão nos tempos soviéticos.
Livros
O engenheiro Pavel Borissov, 46, trocou o cargo de vice-diretor numa fábrica estatal de máquinas pesadas pelo emprego de vendedor de livros. Montou seu estande numa passagem do metrô moscovita e consegue uma renda média de 2,3 milhões de rublos por mês.
Borissov ganha o equivalente a 230 garrafas de vodca Moskovskaia. Para comprar um Lada, precisaria de 28 meses de salário.
"Mas hoje em dia só uso transporte público", diz, um eleitor do presidente Boris Ieltsin.
"Quando trabalhava para o governo, tinha um carro da empresa". Pai de dois filhos, Borissov diz gastar "pelo menos 50% do salário" em alimentos e roupas.
Capitalismo
Outro eleitor de Ieltsin, Igor Malashenko, 29, é sócio de uma companhia de comércio exterior. Formado em engenharia civil, nunca exerceu a profissão. "Mergulhei de cabeça no capitalismo", afirma.
Ele se recusa a detalhar sua renda mensal e rejeita a idéia de usar garrafas de vodca como unidade para comparação. "Está bem, posso dizer que eu posso jantar mais de 50 vezes com a minha namorada no restaurante Le Gastronome."
Um jantar para duas pessoas no Le Gastronome, um restaurante sofisticado de Moscou, custa em média US$ 120. Portanto, Malashenko acaba revelando que o comércio com a importação de alimentos para a Rússia lhe rende cerca de US$ 5.000 mensais.
(JS)

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