São Paulo, terça-feira, 2 de julho de 1996
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Siameses separados

JANIO DE FREITAS

A opinião pública já percebeu, mas os meios de comunicação ainda não chegaram a tanto, que a fusão do político Fernando Henrique Cardoso com o Plano Real deixou de fazer sentido há muito tempo. À permanência dessa idéia, pode-se atribuir a maior parte da dificuldade que os jornalistas vêm demonstrando, assim como articulistas-colaboradores, de entender e traduzir o atual período político.
Fernando Henrique e o Plano Real formaram, por certo tempo, uma só entidade política. Era uma composição artificial, injetada nos meios de comunicação, e originada em outra fusão, que tornara inseparáveis os dois objetivos do plano. Um deles não pertencia ao plano, propriamente, mas estava na cronologia de suas etapas: era a eleição de Fernando Henrique Cardoso. O outro objetivo era derrubar a inflação, que o próprio Fernando Henrique, protelando a aplicação do plano para adequá-la às suas conveniências políticas, dobrara de 25% para 50%.
Se, neste segundo aniversário do plano, recuarmos dois anos para rever a época do seu surgimento, vamos reencontrar Itamar Franco na chefia do governo e com as cordas todas na mão para decidir isto e aquilo. Tal como acontecia na Argentina, quando lá foi aplicado o plano antiinflação. O plano de lá tem autor identificado com precisão, o que não aconteceu com o de cá. Mas o dono do plano não é o autor, Domingo Cavallo, é o presidente que o aprovou e decidiu pela aplicação, Carlos Menem.
No Brasil, Fernando Henrique, digamos, passou a perna em Itamar Franco com as armas dos seus amigos nos meios de comunicação. No embalo dessa deflação de ética, também os nomes dos autores foram postos sob o tapete. Não aconteceu isso por necessidade eleitoral, mas, acontecendo, criou a interação artificial, que passou da campanha para a Presidência.
Passou, mas não ficou. Os respectivos desempenhos cuidaram de desfazer a artificialidade. O Plano Real atravessou seus dois anos sem alterar sua única meta econômica: derrubar a inflação. Pode-se esmiuçar todo o seu interior e aí não se encontrará nem um arremedo de objetivo social, não importa em que escala ou aspecto.
Com o candidato e presidente passou-se o oposto. A campanha o levara às promessas, aos compromissos programáticos, àquela mão que a muitos pareceu, embora aberta, cheia de boas intenções. Nela estaria o que o país anseia e o Plano Real não quis ofertar. Nem se completara o primeiro ano de governo, porém, a opinião pública percebeu que mãos abertas não podem estar cheias senão de vento. Daí a divergência atestada por todas as pesquisas e mal entendidas ainda.
A opinião pública começou a diferençar entre o plano que detém a inflação, dando-lhe a continuada confiança que as pesquisas atestam, mas só nesse ponto específico; e, de outra parte, a cada pesquisa aumentando o descrédito com que avalia Fernando Henrique. Cujo prestígio vai se igualando ao nível da inflação, lá em baixo, pequenino. A queda da inflação nem é mais integrada à política econômica, o que se vê com clareza ainda maior no grande empresariado.
Desfeita na opinião pública a interação artificiosa e artificial, não há por que aceitar, a priori, a tese de Fernando Henrique de que ele e o Plano Real, juntos, serão os grandes eleitores de prefeitos. E se os candidatos do PSDB não se saírem muito bem, o pior não será para eles, mas para Fernando Henrique. Aí estariam dois sinais: falta de base para seu plano de reeleger-se e, pelos mesmos motivos, a probabilidade de ver na campanha sucessória um Itamar Franco com base para cobrar o que era seu e lhe foi negado.

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