São Paulo, terça-feira, 2 de julho de 1996
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O recreio e a rainha

MELCHIADES FILHO

Há 20 anos, em São Paulo, o basquete levava mais gente aos ginásios. Mas não era um esporte teen.
Difícil trocar idéias na escola. Os heróis do recreio eram Muricy, Jorge Mendonça, Zico, Falcão, Doval, Rivelino, Pita...
Marquinhos, Carioquinha e Marcel não tinham vez.
A turma preferia debater quem merecia treinar a seleção de futebol, o paulista Oswaldo Brandão ou o "carioca" Cláudio Coutinho. Jamais discutir quem deveria formar a base da seleção de basquete, se os times da capital ou os do interior.
Na aula de educação física, a bola ficava quase sempre no pé. Basquete, uma vez por bimestre.
Minha saída foi torcer em casa. Arremessar papéis amassados, tentar encestar bolinhas de tênis nos vasos.
Decorar os nomes dos astros iugoslavos (por que era tão gostoso gritar Kikanovic?).
E, na TV, admirar os tiros "com auxílio da tabela" de Adílson, torcer pela longevidade de Ubiratan e vibrar com o "pentelho" Hélio Rubens.
Era um mundo totalmente masculino -minhas amigas na escola nem tinham força para jogar a bola na cesta!
Até que a TV me apresentou a Hortência. Na primeira vez em que a vi, ela atuava pelo Higienópolis, de Catanduva (SP).
Era loira, bonita, caipira, esperta, incansável -e forte!
De cara, virei fã. E demorou ainda uns anos até que encontrasse alguém para, pelo menos, polemizar a idolatria.
Há 20 anos, ela estreava na seleção brasileira.
A molecada de hoje, que coleciona figurinhas e vídeos da NBA e sabe nome de ala-pivô que joga em Minnesota, pode achar que ela corre o risco de quebrar a cara em Atlanta.
Não importa. Hortência, 36, campeã mundial e pan-americana, tem o direito de fazer o que quiser. Mesmo no dia em que não tiver mais forças para jogar a bola na cesta. Tá na hora do recreio da rainha.

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