São Paulo, terça-feira, 2 de julho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O futuro do passado

MARIA ERCILIA
DO UNIVERSO ONLINE

"Isso prenuncia uma unificação intelectual da nossa raça. Toda a memória humana pode ser -e em pouco tempo será- acessível a qualquer um. Também é importante neste mundo incerto, onde a destruição se torna mais frequente e imprevisível, que não seja necessário se concentrar num único lugar, ser vulnerável como um coração ou mente humana. Pode ser reproduzido exatamente, no Peru, na China, na Islândia ou em qualquer lugar... Pode ter ao mesmo tempo a concentração de um animal craniado e a vitalidade difusa de uma ameba." Estamos falando da Internet, certo? O autor deve ser Nicholas Negroponte ou algum outro visionário. Errado. H.G. Wells escreveu isso em 1937. O autor da "Guerra dos Mundos" falava... do microfilme.
Wells não está sozinho. Muitas "profecias" que atravessaram este século parecem ter sido escritas hoje. A inspiração pode ter sido o cinema, o telégrafo, o telefone...
Comecei a colecionar frases sobre o nascimento de novos meios de comunicação ao topar com esta: "Estamos à beira da criação de um parlamento mundial" (Lord Tennyson, poeta, 1809-92, sobre a invenção do telégrafo).
Tennyson prossegue, dizendo que a comunicação entre os homens vai acabar com as guerras etc.
O telégrafo não só não acabou com os conflitos como transmitiu notícias sobre duas guerras mundiais.
Bem, o telégrafo não resolveu. Quem sabe o rádio: "A nova tecnologia está abrindo novos horizontes para democracia, educação e enriquecimento pessoal. O governo será uma coisa viva, em vez de uma força abstrata e invisível" (revista norte-americana "Radio Broadcast", 1922).
A idéia de que ao aumentar a "superfície de contato" entre os homens aumenta a possibilidade de entendimento parece cada vez mais um erro trágico.
"A rede eletrônica retribalizou o homem moderno, superou a influência fissípara da palavra escrita e restaurou à raça humana seu lugar de direito na aldeia global" (Marshall McLuhan, sobre a TV). A frase soa como um equívoco hoje. A TV acentuou as diferenças nacionais, em vez de criar uma só tribo.
E sempre há o outro lado da moeda: "O globo encolhe para aqueles que o possuem; para os deslocados ou despossuídos, para o emigrante ou refugiado, nenhuma distância é mais terrificante que os poucos quilômetros que nos separam das fronteiras" (Homi K. Bhabha, físico indiano, 1909-66).
Minha galeria de retroprofecias inclui também poetas:
"A nossa época é aquela em que todos os países, mais materialmente do que nunca, e pela primeira vez intelectualmente, existem todos dentro de cada um" (Fernando Pessoa, poeta, em "O que Quer Orpheu?", 1915).
Como Tennyson, Pessoa era um utopista. Mas o sonho de unificação tem uma sombra, que T.S. Eliot (1888-1962) enxergou com lucidez que parece inacreditável hoje: "Onde está o conhecimento que perdemos na informação?" (traduzido de "Choruses from The Rock") Essa lista de frases deixa entrever que o tema da comunicação mundial como utopia atravessou o século, às vezes apoiada em muletas frágeis -imagine, o microfilme. Mas esses sonhos fora de foco são mais atuais que nunca. "Quem achar que a ficção científica é sobre o futuro é ingênuo. A ficção científica não prediz o futuro; ela o determina, o coloniza, o pré-programa à imagem do presente" (William Gibson, autor de "Neuromancer", 1984)

Texto Anterior: CD resgata as poucas canções de Mozart e Haydn
Próximo Texto: Divine Brown chega a SP para lançar vídeo pornô
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.