São Paulo, terça-feira, 2 de julho de 1996 |
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O futuro do passado
MARIA ERCILIA
Wells não está sozinho. Muitas "profecias" que atravessaram este século parecem ter sido escritas hoje. A inspiração pode ter sido o cinema, o telégrafo, o telefone... Comecei a colecionar frases sobre o nascimento de novos meios de comunicação ao topar com esta: "Estamos à beira da criação de um parlamento mundial" (Lord Tennyson, poeta, 1809-92, sobre a invenção do telégrafo). Tennyson prossegue, dizendo que a comunicação entre os homens vai acabar com as guerras etc. O telégrafo não só não acabou com os conflitos como transmitiu notícias sobre duas guerras mundiais. Bem, o telégrafo não resolveu. Quem sabe o rádio: "A nova tecnologia está abrindo novos horizontes para democracia, educação e enriquecimento pessoal. O governo será uma coisa viva, em vez de uma força abstrata e invisível" (revista norte-americana "Radio Broadcast", 1922). A idéia de que ao aumentar a "superfície de contato" entre os homens aumenta a possibilidade de entendimento parece cada vez mais um erro trágico. "A rede eletrônica retribalizou o homem moderno, superou a influência fissípara da palavra escrita e restaurou à raça humana seu lugar de direito na aldeia global" (Marshall McLuhan, sobre a TV). A frase soa como um equívoco hoje. A TV acentuou as diferenças nacionais, em vez de criar uma só tribo. E sempre há o outro lado da moeda: "O globo encolhe para aqueles que o possuem; para os deslocados ou despossuídos, para o emigrante ou refugiado, nenhuma distância é mais terrificante que os poucos quilômetros que nos separam das fronteiras" (Homi K. Bhabha, físico indiano, 1909-66). Minha galeria de retroprofecias inclui também poetas: "A nossa época é aquela em que todos os países, mais materialmente do que nunca, e pela primeira vez intelectualmente, existem todos dentro de cada um" (Fernando Pessoa, poeta, em "O que Quer Orpheu?", 1915). Como Tennyson, Pessoa era um utopista. Mas o sonho de unificação tem uma sombra, que T.S. Eliot (1888-1962) enxergou com lucidez que parece inacreditável hoje: "Onde está o conhecimento que perdemos na informação?" (traduzido de "Choruses from The Rock") Essa lista de frases deixa entrever que o tema da comunicação mundial como utopia atravessou o século, às vezes apoiada em muletas frágeis -imagine, o microfilme. Mas esses sonhos fora de foco são mais atuais que nunca. "Quem achar que a ficção científica é sobre o futuro é ingênuo. A ficção científica não prediz o futuro; ela o determina, o coloniza, o pré-programa à imagem do presente" (William Gibson, autor de "Neuromancer", 1984) Texto Anterior: CD resgata as poucas canções de Mozart e Haydn Próximo Texto: Divine Brown chega a SP para lançar vídeo pornô Índice |
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