São Paulo, quinta-feira, 4 de julho de 1996
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Já vimos esse filme

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A reunião de cúpula do Grupo dos 7, realizada em Lyon, de 27 a 29 de junho, foi palco para novas manifestações de inquietação com o potencial de turbulência nos mercados financeiros "globalizados".
O comunicado econômico assinado pelos líderes dos sete países observou que "a mundialização dos mercados financeiros pode criar novos riscos de instabilidade" e pediu a instalação de "dispositivos mais eficazes e concretos" para enfrentá-los.
Ressaltou que o processo de "globalização" tem no campo financeiro uma das suas dimensões mais problemáticas e destacou a necessidade de fortalecer a supervisão dos operadores financeiros internacionais, inclusive nos chamados mercados emergentes.
O presidente da França, mais enfático, declarou que, na ausência de medidas cautelares, a força dos mercados financeiros pode ter "consequências catastróficas". O diretor-gerente do FMI chegou a afirmar que o sistema bancário internacional está "em pedaços".
O Brasil é o tipo do país que precisaria ficar especialmente atento para essas questões. E, no entanto, os alertas internacionais contrastam de maneira notável com o clima de tranquila inconsciência que reina entre nós.
Nos últimos anos, o Brasil está sendo submetido a uma estratégia de política econômica que se apóia em uma aposta na estabilidade dos mercados financeiros internacionais.
Por esse motivo e por ser um país de reputação duvidosa, com um sistema bancário pouco confiável e um banco central incapaz de fiscalizar minimamente as instituições financeiras, o Brasil seria fortemente atingido pela irrupção de novas ondas de instabilidade internacional.
Ilude-se quem imagina que as elevadas reservas do Banco Central (BC) nos tornam imunes a esse tipo de risco.
Vejam alguns números. No passado recente, a despesa anual líquida com juros e remessas de lucros tem girado em torno de US$ 10 bilhões.
As amortizações da dívida de médio e longo prazos e a repatriação de investimentos diretos alcançam cerca de US$ 12 bilhões por ano.
A isso se acrescenta a necessidade de girar continuamente os passivos de curto prazo do país, que são superiores a US$ 55 bilhões. Mesmo deduzindo os haveres externos dos bancos comerciais brasileiros, o passivo de curto prazo deve andar por volta de 70% das reservas no BC.
Por que não se fala nisso? Afinal, esses números são retirados de publicações oficiais de fácil acesso.
Por vários motivos. Primeiro, porque o ingresso de recursos vem sendo mais do que suficiente para refinanciar essas obrigações.
Passado o pânico provocado pela crise mexicana, a disponibilidade de liquidez internacional tem sido bastante ampla. O Brasil pratica, ademais, taxas de juro muito superiores às internacionais e subordina a sua política cambial à atração de recursos externos.
Segundo, porque esse esquema tem sido altamente lucrativo para os interesses financeiros que fazem a ponte entre economia brasileira e o mercado financeiro "global".
E esses interesses têm grande peso não só na definição da política econômica, como também na conformação do debate público.
A maioria dos analistas e jornalistas econômicos se contenta em repetir que não há risco de crise a curto prazo.
Os mais ingênuos comemoram a participação brasileira nos mercados financeiros internacionais como indício de prestígio do país e de uma nova fase do nosso desenvolvimento.
Esquecem que, desde o século 19 e com entusiasmo sempre renovado, o Brasil participou de diversos ciclos de endividamento externo, até agora sem benefícios visíveis do ponto de vista do seu progresso econômico e social.
Nem é preciso fazer um grande esforço de memória. O que diziam as autoridades econômicas dos governos militares durante a década de 70, na fase expansiva do último desses ciclos de endividamento?
Quando economistas de oposição, como Pedro Malan (nenhum parentesco com o atual ministro da Fazenda), alertavam para os perigos decorrentes do excesso de endividamento externo, a resposta padrão era simples: "Bobagem. Dívida não se paga, dívida se rola."
Nos anos 80, foi o que se viu: o mercado financeiro mundial entrou em fase de contração e a famosa "rolagem" da dívida foi para o espaço. Assim começou uma crise econômica que duraria mais de dez anos.
Pois bem. Sem ter digerido inteiramente as sequelas do ciclo anterior de endividamento, o Brasil foi lançado em nova fase de envolvimento problemático com os volúveis mercados financeiros internacionais.
A julgar pela nossa experiência, esse tipo de filme não tem final feliz.

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