São Paulo, quinta-feira, 4 de julho de 1996
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O acordo secreto (mais um) com os bancos

ALOYSIO BIONDI

A equipe FHC/BNDES, na surdina, deu mais um presente de centenas de milhões de reais aos bancos -à custa de outro "rombo" para o Tesouro.
O novo negócio da China foi devidamente escondido em meio às regras anunciadas para a concessão de empréstimos aos agricultores neste segundo semestre. Passo por passo, eis a tramóia toda:
* Seguro - ao tomar empréstimos nos bancos, os agricultores são obrigados a fazer também um seguro sobre o seu valor. Motivo óbvio: caso haja uma seca ou outro problema climático, o produtor não terá dinheiro para quitar o empréstimo, diante da destruição de suas colheitas.
Nesse caso, o seguro deve pagar ao banco (em outras palavras, coisa que pouca gente entendeu até hoje, o famoso seguro agrícola não se destina a cobrir prejuízos do coitado do agricultor. Ele garante somente a devolução do dinheiro aos bancos).
* Quanto - exatamente como em qualquer outro tipo de seguro (carro etc.), o valor a ser pago ("prêmio", para os técnicos) pelo produtor é calculado como um percentual sobre o valor do empréstimo.
Para plantar arroz e feijão, o "prêmio" pago pelo produtor é de 11,7% sobre o valor do crédito; para soja e milho, de 7%.
* Como é - no sistema de seguro do crédito agrícola, todo o dinheiro arrecadado vai para o Proagro, uma espécie de grande seguradora do governo.
É o Proagro -o governo- que fica responsável pelo pagamento dos empréstimos aos bancos quando o produtor não consegue honrar seus compromissos.
* Quem paga - nesse esquema, os bancos têm uma garantia extra do próprio governo.
Isto é, se em determinado ano houver seca ou problemas climáticos em várias regiões, pode acontecer que o dinheiro arrecadado com os "prêmios" não seja suficiente para pagar aos bancos. Eles perdem? Não. Nesse caso, o governo tira dinheiro do Tesouro e cobre o "rombo".
Questão de aritmética
Chegamos, agora, à nova maroteira da equipe FHC/BNDES: ela presenteou os bancos com uma "comissão" de 10% sobre o valor dos empréstimos, para que eles façam a fiscalização da aplicação do dinheiro emprestado ao produtor.
Essa fiscalização é necessária para evitar fraudes: determinados produtores tomam empréstimos, plantam áreas menores do que o previsto ou não tratam as lavouras ("economizando" fertilizantes etc.) e, por isso, têm más colheitas. Alegam, então, que sofreram prejuízos e deixam que o Proagro pague as dívidas aos bancos.
No passado, essa fiscalização era feita pelo Banco do Brasil. Em certo momento, passou para os próprios bancos privados, que, em alguns casos, não se importavam em fiscalizar (evitando gastos com fiscais) porque, no final das contas, não perderiam nada, já que o Proagro (o governo) os pagaria.
Agora, a fiscalização volta aos bancos, com aquela comissão indecente que, matematicamente, provocará rombos no Tesouro.
Por quê? Questão de aritmética: se o produtor de soja e milho vai pagar 7% de "seguro" sobre os empréstimos, e a "comissão de fiscalização" é de 10%, só aí já há um "rombo" de 3%. Mesmo no caso de arroz e feijão, com seguro de 11,7% e comissão de 10%, haverá um saldinho de apenas 1,7% para garantir o pagamento dos empréstimos de produtores que tenham más colheitas.
Bom lembrar: os empréstimos somam bilhões de reais.
Durante todo o primeiro semestre, os bancos privados se recusaram a fazer a renegociação das dívidas antigas dos agricultores, decidida pelo governo no final do ano passado.
Nas últimas semanas, governo e banqueiros negociaram soluções para o impasse e anunciaram acordo recentemente.
Os detalhes desse acordo não foram divulgados para conhecimento da sociedade -um comportamento que só é possível no Brasil, onde o governo FHC determinou que as decisões do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central são "secretas".
Além da "comissão de fiscalização", que outras vantagens a equipe FHC/BNDES terá dado aos bancos à custa do Tesouro, isto é, dos empresários, classe média e povão?

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