São Paulo, segunda-feira, 8 de julho de 1996
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Êxito de programas contra Aids causa corte de verbas

PAULO SILVA PINTO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A diminuição dos casos de Aids em alguns países é, paradoxalmente, um problema a mais para o infectologista belga Peter Piot, 47.
Na Europa, o sucesso de programas de prevenção à Aids está levando a um corte de investimentos nesta área.
Piot está há quatro meses na direção da Unaids (programa de prevenção à Aids da Organização das Nações Unidas).
O programa foi criado neste ano, com US$ 70 milhões de orçamento anual e poder para influir na liberação de outros US$ 300 milhões em empréstimos. Mas isso ainda é pouco, segundo Piot.
Globalmente, a Aids só tem aumentado, principalmente a partir do crescimento do número de casos, na Ásia -onde está a maior parte da população do planeta.
Há duas semanas, Piot passou por Brasília e elogiou o programa brasileiro de combate à Aids, principalmente pela participação de ONGs (organizações não-governamentais).
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.
*
Folha - Não é difícil defender programas de prevenção que consomem tanto dinheiro para uma doença que não é a que mais mata no mundo?
Piot - A Aids fez a metade de vítimas fatais da malária, por exemplo. Mas a malária tem números estabilizados, enquanto a Aids não pára de crescer. Além disso, a Aids atinge uma população jovem, de 20 a 40 anos, no auge da produtividade. É impossível julgar qual vida vale mais, mas o certo é que a Aids causa muito prejuízo. Utilizo bastante esse argumento econômico para convencer governos. Na Tailândia, não se admitia a existência de casos de Aids até 1991. Quando se descobriu que o país perderia US$ 11 bilhões com a doença até o ano 2000, iniciou-se um dos melhores programas da Ásia.
Folha - No Primeiro Mundo é mais fácil combater a Aids?
Piot - Nem sempre. Nos EUA, não havia programa de prevenção federal até a administração Clinton. Na Europa, diminuíram os investimentos em quase todos os países, menos na França. Na Europa do Noroeste (Escandinávia, Países Baixos e Alemanha), o número de casos se estabilizou e começa a diminuir. E os governos reagiram diminuindo os esforços de prevenção.
Folha - Diminuiu em quanto?
Piot - É significativo. É a diminuição de 25% dos orçamentos. Para mim, é um erro que poderá ser fatal. Não se pode esquecer que todos os anos há novos jovens que entram no "mercado sexual", por assim dizer, que se tornam sexualmente ativos. Deve-se continuar esse esforço até encontrar uma vacina, se um dia tivermos uma vacina. Mas não estamos lá ainda.
Folha - Quando houve cortes de gastos?
Piot - Nos dois ou três últimos anos, quando se viram os primeiros bons resultados. Temos um exemplo histórico que mostra que isso é perigoso para a luta contra a Aids: a tuberculose, que em muitos países desenvolvidos diminuiu muito a partir dos anos 50, graças aos remédios. E o que se fez? Aboliram-se completamente os programas de luta contra a tuberculose, como nos Estados Unidos. O que se viu foi um aumento nos casos de tuberculose desde 1985.
Folha - As campanhas em todo o mundo são iguais, com a distribuição de material de informação, de preservativos e de seringas para os toxicômanos?
Piot - Digamos que os princípios são um pouco os mesmos em todo o mundo, mas eu vejo diferenças. Na minha opinião, a longo prazo o mais importante é a educação sexual dos jovens, para a prevenção de gravidez indesejada, o que é um grande problema no Brasil e também para a Aids. Nesse caso, há países, como os escandinavos, onde se começa muito cedo com a educação sexual. E a vida sexual começa mais tarde -a média de idade para os meninos é 17 anos, e para as meninas, 18 anos. Historicamente, a idade para a vida sexual baixou. Agora, com esse programa de educação sexual, ela aumenta. As aulas começam já na escola primária, com informação muito direta. Os preservativos são muito importantes. Mas quando se fala de prevenção, trata-se de uma nova relação entre homem e mulher, de parceiros sexuais que queiram manter a relação, o que, sabemos, nem sempre é o caso hoje. Não quer dizer que se deva cair em um lado conservador, puritano, que não faz bem à saúde também.
Folha - Há relatos de casos de Aids em que não se encontrou o HIV, vírus da Aids.
Piot - Felizmente foi alarme falso. Eu estava na Organização Mundial da Saúde quando apareceram esses supostos casos. Fizemos pesquisas rigorosas, mas se descobriu que em alguns casos a doença não era Aids, ou, quando era Aids, o teste estava errado -a pessoa era portadora do vírus HIV.
Folha - Há cientistas que defendem a idéia de que o HIV não seria a verdadeira a causa da Aids, mas apenas um vírus associado à doença.
Piot - A evidência de que o HIV é a causa da Aids é muito sólida. Há revisionistas, mas a maior prova é que pessoas que se contaminaram com agulhas em laboratório, e que não tinham vida promíscua, já estão mortas.

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