São Paulo, segunda-feira, 8 de julho de 1996
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Mistura ajuda a reduzir a mortalidade infantil

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Vendidos para ração animal, farelos de arroz e trigo fazem parte de um cardápio que está ajudando a reduzir a mortalidade infantil.
Alvo de pressões, a chamada multimistura (que também inclui pó de casca de ovo, pó de folhas verdes e pó de sementes) ganhou aliados no Palácio do Planalto.
Há pouco mais de um mês foi introduzida nas 600 refeições de dois batalhões do Exército. O governo estuda incluí-la na merenda escolar e como alternativa ao programa de distribuição de leite.
"É uma bola de neve: a gente encontrou uma solução viável para o problema da desnutrição", avalia a pediatra e nutricionista Clara Brandão, que criou a mistura 18 anos atrás em Santarém (PA).
Funcionária do Inan (Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição), Clara calcula que 15 milhões de pessoas (10% da população) já estejam lançando mão da receita.
A cartilha que ensina como enriquecer a comida com uma fonte barata de minerais e vitaminas foi reproduzida por entidades não-governamentais. Na semana passada, ganhou mais 50 mil cópias, que serão distribuídas nas agências do Banco do Brasil.
O resultado mais contundente da multimistura aparece nas fotos feitas por agentes comunitários de crianças subnutridas que ganharam peso em poucos meses.
Lívia, de São Luís (MA), é um caso: pesava 2,9 Kg aos 5 meses de idade. Em seis meses quase quadruplicou de peso.
Coordenadora da Pastoral da Criança, a médica Zilda Arns atesta que, nos últimos 13 anos, a multimistura recuperou milhares de crianças desnutridas no país.
"O pessoal já não fica mais esperando que o governo dê cestas e aprendeu que pode fazer alguma coisa", comemora Zilda Arns.
Elogiada pela Organização das Nações Unidas, a pastoral atendeu, no primeiro trimestre de 96, 2,6 milhões de crianças menores de 1 ano e 1,9 milhão de famílias.
Uma tese da Universidade de Fortaleza (CE) constatou, em setembro, que o farelo de trigo engordou crianças de uma creche e reduziu a incidência de doenças respiratórias, diarréias e problemas de pele. A prefeitura atribui à mistura a queda no número de mortes por diarréia em dois anos.
Na Prefeitura de Palhano (CE), a alimentação alternativa reduziu os custos da merenda escolar e melhorou o desempenho dos alunos.
Críticas
Há dois anos, a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas/SP) produziu uma tese sobre a multimistura. A pesquisadora venezuelana Hilda Torin testou os efeitos do farelo de arroz em ratos. Observou que a quantidade de leite produzido pelas ratas aumentou em "apenas" 165%.
Ainda assim, condenou o consumo humano do produto. "O farelo não chega a contribuir como fonte de minerais", diz o coordenador da tese, Jaime Amaya-Farfán, contrário à sua adoção oficial.
A tese da Unicamp foi encampada pela International Society of Pedriatric Nutrition e pelo CFN (Conselho Federal de Nutricionistas). Há cinco meses, o CFN condenou o consumo da multimistura, embora admita rever a decisão.

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