São Paulo, segunda-feira, 8 de julho de 1996
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Daniel Baremboim retorna às raízes

IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Daniel Barenboim se redescobriu argentino. O pianista e regente acaba de lançar, pela Teldec, um CD de tangos com o sugestivo título "Mi Buenos Aires Querido".
Barenboim nasceu em Buenos Aires, em 1942, filho de imigrantes judeus russos. Mudou-se com a família para Israel, dez anos depois, e deslanchou uma bem-sucedida carreira internacional.
Barenboim estreou como pianista aos sete anos de idade, e foi nesse instrumento que começou a ser internacionalmente conhecido.
Hoje, entretanto, sua principal atividade é a regência. Foi o diretor musical da Orquestra de Paris de 1975 a 1989 e, desde 91, é o titular da Sinfônica de Chicago, onde sucedeu Georg Solti.
Daniel Barenboim falou à Folha de Bayreuth (Alemanha), onde se prepara para reger, em 25 de julho, uma nova produção da ópera "Os Mestres Cantores de Nurembergue", de Wagner, com direção cênica de Wolfgang Wagner.
*
Folha - Como surgiu a idéia de fazer o disco?
Barenboim - Completamente de improviso. Em setembro do ano passado, estive na Argentina em turnê e travei conhecimento, por acaso, com dois músicos extraordinários: o bandoneonista Rodolfo Mederos e o contrabaixista Héctor Console. Resolvemos, então, fazer um disco de tangos. Foi uma decisão impulsiva, que resultou em um trabalho sentimental, com coisas que ouvia na infância. Diferentemente dos EUA, em que o jazz é uma coisa e a música clássica, outra, na Argentina nunca houve esta diferenciação entre tango e erudito.
Folha - Há uma grande diferença técnica entre tocar tango e o repertório erudito?
Barenboim - Na verdade, não. O tango é música popular, mas tem características refinadas, como a tensão entre liberdade melódica e rigidez rítmica. Uma rigidez explicada pelo texto trágico das canções. O ritmo é como o destino, algo que não se pode mudar.
Folha - Houve muita improvisação durante as gravações?
Barenboim - Sim. O problema é que não há arranjos para trio de bandoneón, piano e contrabaixo. Se fôssemos tocar tudo como estava escrito, o bandoneón iria tocar o mesmo que a mão direita do piano, enquanto o contrabaixo faria o mesmo que a mão esquerda. Tive muito prazer em improvisar.
Folha - Há planos de gravar mais discos de música popular?
Barenboim - Existe o projeto de um outro disco de tangos com Plácido Domingo, mas ainda não sabemos com que tipo de formação instrumental.
Folha - Você está regendo "Os Mestres Cantores de Nurembergue" pela primeira vez?
Barenboim - Sim. Estou muito contente, porque, pela primeira vez em muito tempo, estou fazendo uma ópera sem violência, em que não se mata gente. Isto me põe de bom humor em todas as manhãs (risos).
Folha - Você não acha que esta ópera tem um ranço nacionalista e anti-semita?
Barenboim - É inegável que a obra tenha o nacionalismo como traço cultural típico da época. O anti-semitismo era uma realidade da vida alemã. Creio, entretanto, que a ópera em si não tenha conteúdo anti-semita.
Folha -E a música?
Barenboim - É uma ópera "anti-tristânica". "Tristão e Isolda" é completamente atemporal, enquanto "Os Mestres Cantores" acontece em um período de 24 horas, em um lugar bem determinado. É uma ópera mentalmente sã, que enfatiza um equilíbrio simbolizado pelo personagem central, Hans Sachs: ele é ao mesmo tempo um sapateiro -com os pés na terra- e um poeta -sonhador, fantasista. Mostra também a tensão entre a juventude progressista e o conhecimento e a experiência dos mais velhos -no caso, os mestres cantores. E é uma crítica ao internacionalismo da cultura, que hoje é não só artístico, mas também gastronômico, com o McDonald's.

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